SURDEZ Cláudia Jerónimo tem 34 anos e perdeu a audição em criança. A usar próteses auditivas desde os dois anos, contou ao jornal O Almeirinense como foi estudar numa escola de surdos e as dificuldades de comunicação com outras pessoas devido à Covid-19.
Qual o seu percurso escolar e profissional?
Frequentei o ensino básico regular, com apoio de professores de ensino especial mas, ao chegar ao 5º ano, fomos aconselhados a que fosse inscrita numa escola especializada em ensino de surdos – Colégio Jacob Rodrigues Pereira, na Casa Pia de Lisboa – por forma a poder ter melhor acompanhamento e aprender uma profissão técnica. Completei o 9º ano de escolaridade num curso técnico profissional básico de Artes Visuais e, posteriormente, o 12º ano num curso de Revitalização do Património.
Quando finalizei os estudos, frequentei um estágio profissional na Câmara Municipal de Santarém, na área da revitalização e conservação do património museológico, mas, infelizmente, não havia vaga para ser admitida como funcionária. Durante cerca de 4 anos fui bordadeira numa empresa de personalização de brindes e roupas mas acabei por sair deste emprego.
Tenho realizado alguns Contratos Emprego-Inserção, como técnica de conservação museológica no Museu de Almeirim mas não tenho emprego efetivo e, na maior parte do tempo, encontro-me desempregada. Apesar das inúmeras candidaturas a emprego que ao longo do tempo tenho realizado, ainda existe algum desconhecimento
por parte das empresas que os surdos conseguem realizar todo o tipo de tarefas que os ouvintes realizam
(exceto atender telefones) pelo que vejo sempre os lugares disponíveis serem-me recusados.
Tenho feito muitas formações através do Instituto de Emprego e Formação Profissional o que tem permitido enriquecer o meu currículo e a minha vontade de aprender e saber sempre mais.
Como foi a sua experiência numa escola de surdos?
A minha experiência numa escola de surdos foi bastante positiva porque permitiu-me ter um ensino especializado e
acompanhado às minhas dificuldades, pude aprender duas profissões, permitiu-me conhecer outras pessoas com a
mesma condição física que eu e integrar-me numa comunidade surda e fazer amigos para toda a vida.
A maior dificuldade que senti foi ter saído de casa, para longe da minha família, apenas com 10 anos de idade uma vez que apenas estava com a minha família ao fim de semana.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que mais de 466 milhões de pessoas têm deficiência auditiva incapacitante. Na sua opinião, ainda existe uma discriminação contra a Comunidade Surda?
Na minha opinião, alguma descriminação, ou melhor, um desconhecimento da sociedade das verdadeiras capacidades
dos surdos e incapacidade de comunicar com eles o que gera um afastamento entre os ouvintes e os surdos e, por vezes, alguma falta de sensibilidade de algumas pessoas face à cultura surda.
Quais as dificuldades que sentiu em comunicar com outras pessoas por causa da pandemia da Covid-19?
O COVID-19, derivado ao uso obrigatório das máscaras de proteção, veio criar uma grande dificuldade de entendimento na comunicação entre surdos e ouvintes. Assumindo que quase a totalidade da comunidade ouvinte não domina a Língua Gestual Portuguesa, a única forma que os surdos têm de entender o discurso que lhes é dirigido é através da leitura labial. Ora, se os nossos lábios agora estão cobertos, como vamos entender o que nos estão a dizer? Têm sido tempos muito difíceis.
Na sua opinião, qual a importância de ensinar a Língua Gestual Portuguesa à população em geral?
Penso que seria muito importante, e uma grande mais valia para todos, se o ensino da Língua Gestual Portuguesa
fosse introduzido no ensino básico como forma de inclusão da pessoa com deficiência auditiva e para todos conseguirem comunicar de uma forma mais ágil.
Um surdo não vai conseguir ouvir e falar como um ouvinte mas um ouvinte pode gesticular Língua Gestual Portuguesa
tão bem como um surdo.
Que mensagem gostaria de deixar aos Almeirinenses sobre a Comunidade Surda?
Gostaria de deixar uma mensagem não só aos Almeirinenses mas a todo o Portugal, em especial às empresas, que
deem uma oportunidade a um surdo de provar que consegue desempenhar uma atividade profissional tão bem como um ouvinte.
Mariana Cortez e Ana Rita Amaro