Teresa Gil Martins: Excesso de peso/Obesidade: a “epidemia” do século XXI?

O excesso de peso/obesidade define-se como uma acumulação anormal ou excessiva de gordura em diferentes localizações do corpo. É normalmente quantificado através do Índice de Massa Corporal (IMC), que se calcula relacionando o peso com a altura da criança (IMC=Altura/Peso2). O valor encontrado varia com a idade e com o género, pelo que deve ser relacionado com as curvas de referência elaboradas pela Organização Mundial de Saúde (incluídas no Boletim Individual de Saúde da criança). 

Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, a incidência geral destas entidades tem vindo a aumentar progressivamente. Em 1975, 4% das crianças e adolescentes em todo o mundo sofria de excesso de peso/obesidade – esta percentagem aumentou para 18% em 2016. Sabe-se que a maioria da população mundial vive, atualmente, em países onde a obesidade mata mais do que a desnutrição. Ainda que se presuma que um novo pico tenha ocorrido durante a pandemia, os dados publicados pelo estudo COSI em 2019 revelaram um ligeiro decréscimo da sua incidência na infância durante a última década em Portugal.

Provavelmente, estes resultados são o reflexo da implementação nacional de algumas medidas recomendadas internacionalmente, tais como: o aumento do preço das bebidas açucaradas, a regulamentação dos alimentos disponíveis nas escolas e estabelecimentos públicos, bem como a integração de temas nos programas escolares que promovem a literacia para a saúde, nomeadamente, hábitos de vida e alimentação saudáveis, entre outros. Embora sejam dados animadores, os valores ainda se encontram muito aquém dos desejáveis, confirmando que a batalha empreendida ainda tem um longo percurso a percorrer.

O peso ideal resulta de um equilíbrio entre produção (aportes) e gastos (consumo) de energia. O aumento da ingestão de alimentos altamente calóricos (ricos em gordura e açúcar) e os novos estilos de vida mais sedentária têm contribuído para um acentuado e indesejável desvio deste precioso equilíbrio a favor do excesso de peso/obesidade. 

O corpo humano edifica-se nos três primeiros anos, a sua manutenção perpetua-se ao longo da vida e a sua composição depende dos nutrientes ingeridos. Existindo em excesso, a gordura acumula-se nos vasos sanguíneos, no fígado e outros órgãos, assim como no corpo em geral, condicionando a deterioração progressiva do funcionamento dos órgãos envolvidos. O depósito de gordura nos vasos sanguíneos assemelha-se ao efeito de uma “canalização entupida”, com complicações cardiovasculares precoces: risco acrescido de hipertensão, enfarte do miocárdio (ataque cardíaco) e acidentes vasculares cerebrais (AVC). O excesso de peso afeta a respiração durante a noite, interferindo com o repouso noturno e provocando cansaço diurno.

Para além disso, provoca limitações motoras e é responsável pela sobrecarga dos ossos e das articulações, contribuindo para o desenvolvimento de deformações ósseas, desgaste articular e artroses de aparecimento precoce, assim como maior risco de fraturas. O metabolismo hormonal fica afetado, contribuindo para o aumento da pilosidade corporal, irregularidades menstruais e eventual puberdade precoce. A resistência periférica à insulina condiciona o aparecimento de diabetes tipo II (doença previamente característica do adulto). Está descrita a deficiência de vitamina D (com as complicações inerentes) e de ferro (responsável por anemia e outras lacunas fisiológicas). Estrias e outras alterações cutâneas têm efeito meramente estético, mas problemas psicológicos (menor qualidade de vida, baixa autoestima e depressão) são repercussões que não devem ser negligenciadas.

A longo prazo, a obesidade na infância aumenta o risco de obesidade na vida adulta, de doença metabólica, de morte prematura e de maior incidência de vários tipos de cancro (endométrio, mama, ovário, próstata, fígado, vesícula, rim, cólon, sangue, rim, pâncreas, boca).

A grande arma de combate da obesidade reside na sua prevenção, já que não existem tratamentos perfeitos. Começando na gravidez, recomenda-se à mãe que evite os hábitos tabágicos, bem como o consumo excessivo de calorias. A prevenção prossegue após o nascimento com adoção de hábitos de vida saudável, que devem ser precocemente incutidos pela família e perpetuados ao longo da vida. Alimentação saudável, prática regular de exercício físico e dormir adequadamente constituem os pilares básicos.

As características dos alimentos ingeridos determinam a qualidade da alimentação e influenciam profundamente os aportes de energia. 

O aleitamento materno exclusivo deve manter-se até aos seis meses de idade, sempre que possível. Posteriormente, deve manter-se uma alimentação diversificada, adaptada à respetiva idade, reforçada em legumes, frutas, cereais integrais (sem açúcares adicionados) e frutos secos, respeitando a proporção de nutrientes proposta pela roda dos alimentos. Os pais são os principais responsáveis pela alimentação das suas crianças. Os avós e outros cuidadores são aliados imprescindíveis no cumprimento dos objetivos delineados.

A seleção dos alimentos disponíveis é da responsabilidade de quem os compra e de quem os traz para casa. E, porque as crianças são muito melhores a imitar do que a obedecer, o exemplo dado pelos adultos será determinante nos hábitos que a criança virá a adotar. Devem ser reduzidos ao mínimo possível, e em todas as idades, os aportes de gordura, açúcar e sal. Os doces, bebidas açucaradas, alimentos processados e pré confecionados não fazem bem a ninguém, pelo que não devem existir em casa. O seu consumo deve o mais limitado possível, não devem ser ingeridos antes dos dois anos de idade e nunca devem ser usados como forma de recompensa.

Para além disso, as crianças/adolescentes nunca devem sair de casa sem ingestão prévia de um bom pequeno-almoço, não devem permanecer mais de três horas sem comer, devem cumprir escrupulosamente os horários das cinco a seis refeições diárias principais, sentadas à mesa com a família e sem a presença de ecrãs. O apetite individual deve ser respeitado de acordo com os diferentes picos de crescimento, mantendo a proporção adequada dos respetivos nutrientes. 

A prática regular de exercício físico combate o sedentarismo e proporciona o consumo de energia. A sua duração diária varia com a idade e deve iniciar-se nos primeiros dias de vida da criança, de acordo com as recomendações publicadas pela Organização Mundial de Saúde. 

A privação das horas de sono preconizadas para cada idade pode contribuir para o aumento de peso, enquanto compromete o crescimento e a saúde da criança/adolescente. Prejuízo qualitativo (nomeadamente com o uso de ecrãs à noite) ou quantitativo do sono têm repercussões similares.

A monitorização periódica do estado de saúde da criança realiza-se nas consultas de rotina, que devem ser mantidas e não descuidadas com o avançar da idade. Fatores de risco devem ser precocemente detetados e devidamente orientados.

O site papabem.pt constitui uma fonte fidedigna e muito útil, disponibilizando inúmeras ferramentas destinadas à promoção do crescimento saudável. Em Almeirim, o inovador programa dos lanches saudáveis instituído nas escolas pela autarquia pretende incutir/manter bons hábitos alimentares, sem acréscimo dos custos nem dos encargos familiares. A adoção e manutenção transversal e quotidiana de hábitos de vida saudável trará benefício à saúde de toda a família.

Teresa Gil Martins – Pediatra