Nádia Moreira é médica cardiologista. Fez toda a formação fora do concelho mas assume orgulhosamente que é de Fazendas de Almeirim. Em grande entrevista fala das raízes e claro das preocupações sobre a nossa saúde.
Primeiro que tudo como surgiu a medicina na sua vida?
O meu interesse pela medicina surgiu numa fase muito precoce da minha vida, de tal forma que não me recordo de querer ter outra profissão. Desde criança que me fascinava o conhecimento das doenças e a possibilidade de melhorar a vida das pessoas. O meu percurso pessoal e escolar pré universitário foi sempre direcionado com vista a atingir este objetivo.
E em particular a cardiologia?
A cardiologia surgiu tardiamente. Após terminar a licenciatura em medicina, na altura de escolher a especialidade, tinha vontade de optar por uma área generalista, que me permitisse adquirir conhecimentos abrangentes e, ao mesmo tempo, manter uma relação de proximidade com os utentes. A especialidade que melhor cumpria com estes pressupostos era medicina geral e familiar. Fiz o internato nesta especialidade com toda a dedicação e interesse. Quando terminei, ainda tinha vontade de estudar e aprofundar mais os conhecimentos que tinha adquirido e voltei a fazer o exame de acesso às especialidades. Foi nesta altura que optei pela cardiologia. Os fatores de risco e as doenças cardiovasculares são altamente prevalentes, verificando-se um amplo campo de atuação nesta área com muitas possibilidades de melhorar o prognóstico e a vida das pessoas. Neste percurso, tive o privilégio de conhecer e trabalhar com pessoas fantásticas, fiz um estágio muito gratificante nos Estados Unidos como parte integrante da especialidade de cardiologia e, com o objetivo de diversificar conhecimentos e interesses, frequentei o curso de história da arte na faculdade de letras da universidade de Coimbra.
A sua formação foi em Coimbra mas teria tido notas para outras Universidades. Porquê Coimbra?
Tinha a perceção, e não me enganei, que Coimbra reunia as condições ideais para se ser estudante universitário. Cresci num meio rural, vivi em Fazendas de Almeirim até aos 17 anos. Não me agradava a ideia de mudar para uma cidade demasiado grande. Em Coimbra, sempre existiu uma interação única entre a cidade e a universidade criando um ambiente único para a vida estudantil.
Gostou tanto que se fixou aí?!
Exatamente. Criei laços muito fortes com a cidade e com pessoas que fui conhecendo ao longo da minha permanência, que me fizeram ficar.
Mas não esquece as Fazendas de Almeirim? Continua a vir cá não só para ver a família como ver os seus pacientes?
Desde que fui estudar para Coimbra que mantenho o hábito de regressar às Fazendas de Almeirim com muita frequência. É habitual à sexta-feira dizer às pessoas em Coimbra que vou passar o fim de semana a casa. A minha família sempre foi o pilar da minha vida e é de extrema importância a minha convivência e a do meu filho com eles. Nestas minhas vindas, dou, também, resposta aos utentes que me procuram, ajudando o facto de ter formação em medicina geral e familiar e cardiologia.
Um dia vai querer ficar cá?
É uma pergunta difícil e para a qual não tenho uma resposta definida. Vai depender de muitas variáveis.
As doenças cérebro-cardiovasculares (DCCV) são a principal causa de morte e incapacidade prematura antes dos 65 anos em Portugal. Quais os números mais atualizados?
As doenças cérebro-cardiovasculares, incluem as doenças do foro cardíaco e cerebrovascular, e são, de facto, a principal causa de morte e incapacidade prematuras em Portugal. Segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística e da Direção-Geral da Saúde, estima-se que cerca de 1 em cada 3 mortes prematuras em Portugal seja causada por doenças desse foro, representando cerca de 10.000 mortes prematuras por ano. Alguns dados complementares e preocupantes revelam-nos que as doenças cérebro-cardiovasculares são responsáveis por cerca de 30% da totalidade das mortes em Portugal.
O AVC mata mais do que o enfarte?
Ambas as patologias apresentam elevada mortalidade. Os acidentes vasculares cerebrais, mais de 13.250 óbitos anuais e o enfarte do miocárdio, cerca de 6.970 óbitos anuais. A estes números impressionantes soma-se idêntico número de indivíduos atingidos por estas doenças, que, sobrevivendo, ficam muitos deles com sequelas graves.
Ainda há muitas pessoas a deslocarem-se por meios próprios quando têm sintomas de AVC ou de enfarte, que nem sempre os identificam como tal e, por isso, não contactam o 112…
O reconhecimento dos sinais e sintomas de AVC ou enfarte por parte do doente ou de pessoas próximas, o contacto para o 112 para uma rápida assistência, com vista ao encaminhamento para uma unidade de saúde adequada e para a intervenção médica especializada são vitais para o sucesso do tratamento e posterior recuperação do doente.
Fala-se muito de AVC e enfartes. Mas existem outras DCCV, como a angina de peito, a fibrilhação auricular ou a insuficiência cardíaca. Para o AVC e enfarte há formas de responder rapidamente porque são episódios agudos. Mas outras doenças são silenciosas. Entre a população portuguesa com mais de 50 anos, uma em cada seis pessoas tem insuficiência cardíaca, mas 90% nem sequer sabe que tem essa doença. O que é urgente fazer para travar estes números?
Para além do AVC e do enfarte, cuja apresentação é aguda e requer intervenção emergente, existem outras formas de doença cardíaca, também elas associadas a elevada mortalidade ou graves limitações na vida das pessoas. Estas doenças, por vezes, passam despercebidas aos pacientes por ausência de sintomas até surgir uma manifestação mais grave. Referiu algumas delas. É importante que toda a população tenha acesso aos cuidados de saúde primários, realize os rastreios que estão previstos e seja avaliada sempre que surge algum sintoma preocupante ou pelo menos uma vez por ano, mesmo na ausência de sintomas. Atos simples como a auscultação, avaliação da tensão arterial, realização de eletrocardiograma, análises e, em alguns casos, exames mais específicos dirigidos às queixas do doente e ao seu exame físico, podem ser suficientes para diagnosticar precocemente várias doenças.
A prevenção é determinante?
Sim, a prevenção é determinante e pode evitar uma percentagem muito significativa de mortes e de incapacidade associada à doença. O tabaco, a hipertensão arterial, a elevação do colesterol e de outras gorduras no sangue, o sedentarismo, a obesidade, a diabetes são importantes fatores de risco que conduzem ao desenvolvimento de doenças cérebro-cardiovasculares. É fundamental o seu diagnóstico e controlo e, no caso do tabaco, a cessação.
Foi apresentado recentemente o Plano de Emergência para a Saúde com medidas para os próximos dois anos, destacando-se as áreas oncológica, obstétrica e da saúde mental como prioritárias. Relativamente às DCCV, enquanto primeira causa de morte e de incapacidade prematura em Portugal, não deveriam ser uma prioridade neste Plano de Emergência?
Concordo inteiramente. Embora o Plano de Emergência para a Saúde contemple áreas prioritárias como a oncologia, a saúde obstétrica e a saúde mental, há uma lacuna evidente no que diz respeito à prioridade das DCCV. Atendendo à elevada mortalidade e incapacidade a que se associam as DCCV, à necessidade de integrar medidas mais eficazes de prevenção primária e secundária e ao elevado custo económico e social que acarretam, as DCCV deveriam, sim, ter um papel mais destacado neste Plano de Emergência para a Saúde, seja por meio da prevenção, seja no tratamento e gestão das condições já diagnosticadas.
Como é ser filha da vereadora Maria Emília e do Botas Moreira, uma das figuras mais carismáticas no desporto da região?
É com muito orgulho que vejo o percurso dos meus pais. A sua dedicação é inspiradora. Julgo que ambos, cada um na sua área, têm tido um impacto muito positivo na comunidade. O compromisso e entrega do meu pai ao Fazendense ao longo de tantos anos é notável. Tenho muita admiração pelo empenho da minha mãe na autarquia, nomeadamente no seu papel social e de melhoria das condições de vida das pessoas.
Quando lhe perguntam de onde é diz que é charneca?
Hoje, mais do que nunca, parece existir um orgulho enorme em ser Charneco. Não só digo que sou Charneca, como o meu filho de 8 anos que nasceu em Coimbra também diz que é Charneco. Ser Charneco é ser genuíno, determinado e nunca esquecer as origens.