A voz de Manuel Caipira foi durante mais de 20 anos a principal voz de Almeirim no desporto. Relatos e reportagem no futebol, hóquei patins e até carnavais. Uma vida com muitas histórias.
Como é que começou na rádio?
Sim, lembro-me perfeitamente. Isto já foi há 34 anos porque o primeiro jogo que eu fiz foi hóquei em patins, no pavilhão de Almeirim, o jogo do Benfica contra o Sporting de Tomar. O Sporting de Tomar tinha o pavilhão castigado e vieram jogar a Almeirim. Depois, em termos de futebol, o primeiro jogo foi na segunda divisão nacional, ainda o campo era pelado, com o Águeda. Jogava na altura no Águeda o António Nogueira, que mais tarde veio a ser o treinador do União.
Quanto ao primeiro jogo fora de Almeirim, tem uma história interessante, porque nós, como a rádio não tinha meio de transporte, o jogo era na Guarda e era o primeiro jogo dessa época, em setembro. Não tínhamos meio de transporte e como é que íamos resolver o problema?
Tentámos de tudo: tentámos pedir carros e ninguém se disponibilizava. Entretanto, pensámos num táxi, mas o táxi era caríssimo. Acabámos por ir num carro que eu tinha na altura, que era um Citroen Dyane. A minha mulher na altura estava grávida de oito meses e também foi. Na altura, fui eu, a minha mulher e o Carlos Jorge, que era um dos responsáveis da rádio.
Quando chegámos lá entrámos no campo e veio o senhor que disse: “Então, é a equipa de arbitragem?” Era a coisa mais natural, uma mulher grávida a ser a equipa de arbitragem (sorrisos). Depois também aconteceu uma cena no decorrer do jogo em que um espectador se dirigiu a mim, eu estava com uma camisa vermelha, e diz: “daqui a pouco, o indivíduo da camisola encarnada vai engolir o microfone”.
Como é que surge o nome de Manuel Caipira para esse jogo de hóquei em patins?
Desde muito, muito novo apresentava os jogadores no campo de futebol. Entretanto, também fazia apresentações de espetáculos, fui apresentador do Rancho de Almeirim também durante alguns anos. Eu penso que terá sido por aí que me convidaram e fui sempre uma pessoa que acompanhou o futebol de perto. A rádio era aqui neste edifício que é agora da Santa Casa da Misericórdia, era a rádio local de Almeirim, era a RLA.
Comecei por fazer um programa também aos sábados, à hora de almoço, que era dedicado à música portuguesa, que se chamava “Sobremesa à Portuguesa” e depois mais tarde fiz também um programa de discos pedidos. Portanto, as pessoas ligavam, pediam o disco e depois nós passávamos que era o “Diga Diga”.
E esse jogo de hóquei foi o início, então, depois de uma grande carreira, permita-me esta expressão, “de muitos e muitos anos”?
O jogo de hóquei foi o primeiro, e a partir daí foi, não sei bem, penso mais de 20 anos. Pelas contas que estava a fazer, o primeiro jogo foi há 34 anos, portanto mais de 20 anos de hóquei e futebol. Inclusivamente, até fizemos um jogo de basquete. Foi o jogo do Santarém Basket contra o Benfica, no pavilhão de Santarém. Fiz eu, o Válter e o Jorge Neves.
Estamos a falar de como é que era nessa altura? Era com linhas telefónicas? Como é que se fazia isso?
Os primeiros relatos que nós fazíamos, na altura fazíamos só o União, o campo do União como o do pavilhão era com um emissor. Tínhamos de ir mais cedo, tínhamos de montar a antena, tínhamos de direcionar a antena do pavilhão para o estúdio e depois era através desse emissor, que tinha aqui um recetor no estúdio, recetor esse que estava depois ligado à mesa para depois mandar para o ar.
E como faziam os jogos fora? Ou esse em Águeda, por exemplo?
Em Águeda, já era com linha telefónica. até aconteceu uma coisa muito gira também: o Rui Bexiga foi a primeira vez que quis ir comigo.
Chegámos lá, a linha telefónica era longe para diabos. Levámos muito fio. O Rui andou por meio de uma horta a esticar fio. Conclusão: só conseguimos começar a fazer o relato ao intervalo. A distância era tão grande e tivemos de esticar tanto fio só que levámos um rolo enorme de fio, senão não conseguíamos.
Terá feito dezenas e dezenas de jogos.
Sim. Fiz na Madeira, nos Açores e aqui no Continente, praticamente em todo o lado. Mais para o Sul, mais para o Algarve, no Algarve fiz três ou quatro, ou cinco jogos, já não sei. No Norte, creio que o mais longe foi em Cinfães, num jogo da Taça de Portugal com o União de Santarém que fui eu com o António Luís Aranha.
O aparecimento dos telemóveis já foi um avanço brutal, em termos de tecnologia, não foi?
Ainda me lembro do primeiro telemóvel que nós levámos! Parecia uma mala. Fui eu com o Miguel Jorge Simões para o Barreiro fazer um jogo, acho que era da Taça de Portugal, o Fabril com o U. de Almeirim. Só que, às tantas, acabou-se a bateria do telemóvel e nós não sabíamos sequer como é que aquilo trabalhava. Acabou-se a bateria, acabou-se!
Hoje, com qualquer “telemovelzinho” se pode fazer um jogo.
Era tudo diferente. Não havia autoestradas, as viagens que demoravam horas!?
Sim, sim. Eu lembro-me perfeitamente (risos). Uma vez também fomos fazer uma segunda vez à Guarda e, como já tinha dito, a rádio não tinha transporte. O União tinha aquele autocarro muito velho, o primeiro autocarro que o União teve. E então, havia uma senhora que estava no campo, mais uma senhora que estava ali no banco que estavam a organizar uma para acompanhantes. A rádio foi, tinha dois lugares.
Saímos daqui às 4 da manhã e depois chegámos cá no outro dia era mais de meia-noite (risos).
Mas foram tempos bons?
Sim, sim. Há muitas histórias, criaram-se algumas amizades e ainda ficaram algumas amizades ao longo dos anos. Na rádio de Almeirim tinham um certo prestígio, a qualquer lado onde chegássemos as pessoas diziam: “Somos da Rádio de Almeirim”. “ Ah, da Rádio de Almeirim?”
Até já começávamos a ser conhecidos. Toda a gente nos falava. Eu posso contar-te uma história interessante.
Uma vez, em Santarém, a minha mulher cantou vários anos na Orquestra Típica, e um dia, depois de um espetáculo em Santarém, nós fomos jantar e um senhor diz bem alto: “Ah, Caipira, pá, vocês estão de parabéns! Vocês fazem um trabalho espetacular!”
Isto é só um exemplo do indivíduo, mas era um indivíduo com uma certa formação, ele até chegou a gerente do banco aqui em Almeirim, do Espírito Santo. Conhecia-me bem e um gajo fica assim a olhar, uma sala cheia e um gajo a gritar lá do fundo: “Vocês fazem um trabalho espetacular! Tão de parabéns!”.
Depois começaram também a relatar o Fazendense…
O princípio até foi engraçado. Chegámos ao Fazendense, nessa altura já começávamos a usar linha telefónica. O Fazendense na altura não tinha telefone. O único indivíduo que tinha telefone era o indivíduo que morava, e ainda hoje mora mesmo ao lado, entre o Fazendense e o cemitério. E então como é que a gente fazia? Íamos lá buscar a linha e fazíamos o relato em cima dos balneários antigos.
Alguma nostalgia de quando, parece de forma rápida, se fazia tanta coisa e deixou de se fazer?
Sim. A pessoa começa a ficar, como é que hei de dizer, tão habituada ao domingo ter aquela ocupação que, depois quando aquilo corta de repente, fica ali uns tempos sem saber bem o que é que há de fazer. Não existe dúvida nenhuma.
Eu recordo-me que ainda agora, numa época em que o União estava na distrital, eu ia ali ver jogos e apareciam ali indivíduos de rádios que ainda acompanham e:
-“Eh pá. Olha, estás bom?”
Quer dizer, fica aquela coisa de (pausa). Nomeadamente os colegas que fazem o União de Tomar, a Rádio Hertz e a Antena Livre de Abrantes.
Fez uma dupla de muito sucesso com o João Florêncio. Eram duas grandes referências e havia uma combinação perfeita.
O João Florêncio, eu penso que não vou errar no que vou dizer, veio para cá, acho que fui eu que sugeri através de uma colega minha da Câmara, amiga do João, que é de Alpiarça, falou-me nele.
O João veio para cá. Entretanto, quando a rádio local parou para depois se montar a Rádio Comercial de Almeirim, o João foi para a Rádio Piranha. Esteve uns tempos na Piranha e depois acabou por cá voltar outra vez. O João foi, sem dúvida, um elemento de grande valia. Fazíamos coisas incríveis os dois.
Nunca foi acusado de ser do Clube A ou do Clube B. Como é que isso era gerido?
Isso era mais ali nas Fazendas. Quando eram os golos do União Almeirim, gritam, quando eram do Fazendense… mas isso a gente passa por cima disso, não é?
Muitas subidas, muitas conquistas destes no União, Fazendense.
Do União, acho que subidas não. Do Fazendense é que eu me recordo de uma em que até fomos nós os dois depois jantar com eles na segunda divisão e depois, na altura, quem era o capitão era o Chico Lucas, que nos convidou para ir jantar com a equipa. Eu acho que foi na terceira divisão. Foi na altura em que eles fizeram o campo pelado atrás e jogavam nesse campo porque estavam a arranjar o outro.
Essa também foi a altura de algum sofrimento. Tínhamos que esticar cabo e…
Eles depois até abriram uma janela na bancada para trás para a gente ver. Lembro-me dessa. O hóquei também teve várias histórias.
Tenho uma história com o hóquei: vou eu e o João Florêncio, que como geralmente, quando podíamos, íamos sempre os dois para o Bom Sucesso, ao pé de Aveiro. O Presidente era o falecido Mário Figueiredo (Mário da Galera). Os homens lá do clube tinham pedido para o jogo ser à noite e o Mário, com aquelas coisas dele: “Ah! É às seis, é às seis! Está marcado, está marcado!”
Pronto, chegámos lá, não estava lá ninguém, estivemos ali um bocado e passado um tempo chega o autocarro, era aquele autocarro que a gente tinha, o azul.
O autocarro chega e quando vão para abrir as malas tinham deixado os equipamentos todos em Almeirim. Pediram aos homens para adiar o jogo e eles:
“- Ah, não. Quando a gente pediu, vocês disseram que não.”
Conclusão: quem é nos safou? Não havia os telemóveis, a tal história. Quem é que nos safou? O telefone da rádio. Nós tínhamos mandado instalar um telefone da rádio.
– “Eh! E agora como é que fazemos?”
– “Pronto, vai lá telefonar”.
Telefonou para o pavilhão onde tinham ficado os equipamentos, tudo encostado à parede do pavilhão. Eles foram-se embora e deixaram aquilo ali.
Depois, o Armândio do bar do pavilhão e o falecido Delfim, que era empregado da Câmara, é que foram de carro levar aquilo lá. Chegaram lá, daqui para lá ainda era a tal história das estradas que ainda não eram tão boas como hoje, a abrir, chegaram lá, vá de equipar à pressa, jogaram e penso que ainda ganharam. Mas foi demais essa também.
Eu até me lembro de ter feito transmissões de rádio em carnavais.
Eu tenho até algumas fotografias. O famoso telemóvel caixote. Não sei se era eu ou o João, mas sei que era eu e outra pessoa da rádio. Lá fora, ali para a zona do cemitério, porque os carros alegóricos entravam aí, o caixotezinho na mão a fazer reportagens e cá dentro acho que era…
Porque os carros ficavam ali nos celeiros da EPAC…
Sim, sim. Acho que cá dentro do circuito era a Fátima Neves, ou o Marcelo Mendes. Os famosos telemóveis de caixote, que era o que havia na altura para se poder fazer as coisas.
Os 20kms eram um acontecimento importante
Eu geralmente fazia na frente. Ao princípio, fazia-se com o carro da rádio. Só que depois começaram a proibir carros na frente da corrida, para não haver carros dentro da corrida. Fazia geralmente no carro do cronómetro, no que ia à frente.
E que alguns anos tiveram quase que, em cima da hora, para serem alterados os percursos por causa das cheias.
Exatamente, também apanhámos isso.
Estou a recordar-me também de um Campeonato da Europa de Estrada que foi aqui em Almeirim. Eu e o João, quando acabámos, tivemos que ir para debaixo do chuveiro, chovia que desandava. Entrava pela cabeça e saía pelos pés (risos). Mas mantivemo-nos sempre ali firmes.
O João, acho que nesse dia ia de mota, e eu estava no local da meta, acho que foi assim. Mas levámos ali uma banhada! (risos).
Gostava de voltar, ou já não sente essa falta?
Sim. É sempre uma coisa que a gente gosta de fazer e que gostaria de fazer mais algumas vezes, mas pronto, não é possível, não é possível.
Manuel Caipira não esconde que é adepto do Benfica. Chegou a fazer um relato no antigo estádio.
Levámos o meu antigo companheiro de guerra em Timor, o Fragata, e ele jogou à bola em Torres Novas e foi Presidente e o treinador de Torres Novas. Era eu, o Fragata e o João Florêncio.