ARTE João Domingos, mais conhecido pelo seu nome artístico BIGOD, pintou a parede do prédio junto às Finanças com cores e símbolos ligados ao concelho de Almeirim. O artista contou a O Almeirinense a sua jornada no mundo da arte urbana e as suas diversas obras.
Quando e como surgiu a oportunidade de realizar esta obra na parede do prédio junto às Finanças?
Isto já́ foi uma aventura com algum tempo, desde que me convidaram para organizar a Route 118, que é um festival em Benfica do Ribatejo, ligado ao FIFCA (Festival Internacional de Folclore, Cultura e Artes). Na primeira edição da arte urbana, o Ricardo Casebre convidou-me para organizar essa parte e, a partir daí, surgiu uma vontade da minha parte em pintar uma parede em Almeirim e a parede com a qual me identifiquei logo foi aquela junto às Finanças e sempre disse aos meus colegas: “Um dia, ainda vou conseguir pintar aquela parede” e sempre foi a parede dos meus sonhos.
Eu estudei em Almeirim, passava ali muitas vezes quando íamos para as piscinas para a Zona Norte, e sempre achei aquela fachada muito interessante.
Comecei as conversações em 2016/2017, não me consigo situar muito bem nesse espaço, mas foi um processo de fazer alguns projetos. Houve muitos “nãos”, mas ainda bem. Agradeço também ao Município por me dizer que não, porque talvez os projetos ainda não tivessem a qualidade que, neste momento, tem este mural. E, este ano, surgiu a oportunidade de fazer este mural numa candidatura com a CIMLT (Comunidade Intermunicipal da Lezíria do Tejo) em que fiz e ganhei um projeto para a CIMLT, onde estou a fazer 11 murais aqui na Lezíria. E quando chegou a altura de Almeirim, perguntaram-me qual era a parede que gostaria e a primeira imagem que tive foi fazer aquele mural.
E falando sobre a obra, porquê a escolha de determinados desenhos e de determinadas cores para a parede?
O meu trabalho é muito ligado às tradições, às obras e à cultura das terras onde pinto. Em Almeirim, eu fui buscar talvez as coisas que identificam mais o concelho: as Caralhotas, a Sopa da Pedra, o Melão que agora ganhou uma nova força e um novo ânimo, e era para fazer sobre o vinho, mas, na agricultura, somos mais fortes que no vinho. Somos muito fortes no tomate, no milho, no arroz… Basicamente, produzimos de tudo com muito boa qualidade. Então, eu acho que, retratando um trator, é muito mais fácil explicar toda a agricultura e também foi uma peça-chave numa passagem da agricultura tradicional para a agricultura moderna.
Gosto muito de trabalhar naqueles tratores mais antigos, com muita mecânica, e acho que resultou muito bem. Em
relação às cores, são as cores do brasão. Não são mesmo as cores, mas são as bases, pois eu fiz ajustes para que as cores se ligassem umas às outras.
Surgiram comentários negativos nas redes sociais, relativamente à sua obra de arte junto às Finanças. Qual a sua reação relativamente a essas críticas?
Em relação aos comentários menos positivos sobre a pintura que realizei junto às Finanças, acho que foram comentários feitos cedo demais, onde a obra ainda estava em execução, não se percebia muito bem ainda o que poderia acontecer. Acho que não há muito que se falar sobre isso. O que importa é que a peça ficou interessante.
Tem um vasto currículo em obras. Qual foi aquela obra que gostava de realizar, mas que ainda não teve oportunidade?
Por acaso, a obra que ainda não tinha realizado mas que sempre quis foi mesmo este mural de Almeirim (risos). Ficou sempre no meu pensamento e nunca desisti.
Também quero dizer com isto que o “não” não é uma desistência; é um “tu ainda não estás preparado, tenta outra vez, não desistas”. Quando nós recebemos um “não”, quer de municípios, ou de empresas, ou de clientes, isso não quer dizer que o cliente não queria, mas só que talvez ainda não esteja na altura, ou o projeto não está bem adequado àquilo que o cliente realmente pretende. E acho que foi a parede que sempre quis pintar.
Tenho mais projetos que gostava de pintar, mas acho que, em Almeirim, foi sempre aquela fachada que sonhava pintar. Não é por ser a minha terra, mas foi mesmo aquela fachada que sempre quis pintar.
E de todas as obras que realizou, já a contar com esta de Almeirim, qual foi a obra ou as obras que gostou mais de fazer?
Gostei de fazer a de Santarém, perto da Escola Prática de Cavalaria, mas no edifício onde está a restauração/bar. Essa parede ficou muito bem. Gostei de fazer “O Cavalo Azul”, que foi uma obra que fiz em Coimbra, numa associação de crianças com dificuldades. Foi um espaço que me tocou muito pela situação das pessoas que lá estavam e também por aquilo que fomos lá fazer. Também gostei de fazer as peças de Viseu e a de Benfica do Ribatejo. Sobre a de Benfica, eu quero e vou tentar requalificá- la, porque já não é a minha linguagem.
Quero trazer uma coisa mais fresca ali também para a minha vila. Basicamente, eu gostei de fazer todas as peças, mas
acho que essas que referi foram aquelas que mais resultaram no final.
E sem contar com esta parede do prédio junto às Finanças, qual foi a obra do concelho que viu que as pessoas gostaram muito do resultado final?
A das Fazendas de Almeirim, que também foi feita agora, a convite do Município a um colega meu, o Tiago Braga. Ele tem um traço de ilustração. Acho que resultou muito bem para o espaço. Eu tive uma colaboração com ele, fui eu que fiz a parte do trator. Também tenho de mencionar a de Benfica do Ribatejo, na Azeitada, que são os tratores ali na parede dos Apolinários, acho que foi uma parede também com bastante impacto e que também já é uma marca da arte urbana aqui na região pela sua dimensão, pela sua temática e que ficou muito interessante.
E falando em Almeirim, foi um dos nomeados da IV Gala do Jornal O Almeirinense na categoria de Cultura. Qual foi a sua reação ao saber que tinha sido nomeado?
Eu não estava à espera. Aliás, foi o Valter Madureira que me ligou e disse que estava nomeado e até lhe perguntei:
“Mas porque é que estou nomeado?” e ele perguntou-me: “Não sabes porque estás nomeado? Isso é um reconhecimento do teu trabalho dentro e fora da região”.
E eu fiquei muito contente com a nomeação, porque quis dizer que o meu trabalho foi e continua a ser reconhecido, que estou a conseguir viver do meu sonho. Eu não estou à espera que as pinturas e os trabalhos me cheguem, também sou muito proativo. Talvez seja muito chato para os municípios e para as juntas de freguesia, porque também estou sempre à procura de pintar em outros locais. E por consequência disso, também vêm outros trabalhos que eu não ando à procura, digamos.
A sorte é 10% e acho que os 90% de trabalho as pessoas não vêem, que é toda a parte do projeto. O trabalho da pintura
são quatro/cinco dias; agora o processo até chegar lá, o dito “trabalho de casa” é muito mais tenebroso e muito mais trabalhoso que chegar ao local e pintar.
Como começou a sua carreira no mundo da arte?
O meu avô nasceu em Almeirim mas foi trabalhar muito cedo para Sines, onde ficou até à morte. Eu e os meus primos da zona íamos todos para a casa do meu avô todos os verões. Do 5º ao 9ºano, eu acabava as aulas aqui em Almeirim e apanhava o autocarro para Sines e estava lá os três meses de férias com os meus primos. Um dos meus primos mais novos, o David, já pintava e apresentou-me a técnica da pintura. Ele tinha 13 e eu 14 anos, e começámos a fazer os primeiros cortes em papel e eu vim com aquele bichinho de pintar, mas só pintava nos verões, porque gostava mais de jogar futebol, de estar com os meus amigos e andar de bicicleta. Na faculdade, no meu último ano, surgiu a oportunidade de fazer uma peça para o meu trabalho final e recordei-me dos meus verões e pensei:
“Olha, ficava interessante fazer aqui uma coisa em stencil”. E foi a partir daí que fiz o meu primeiro mural na Escola Superior de Educação em Santarém, que foi onde eu estudei. Depois fui pintar uma fachada que é também das que eu mais gosto, que é na Póvoa de Santarém, que está dentro de uma associação. A pintura é de um velhote numa cadeira. E depois daí foi um role de trabalhos.
Depois, fiz uns dois ou três trabalhos onde, nessa altura, ainda não era muito chato e não soube continuar a fazer força ou pressão para continuar a pintar e tive uns seis/sete meses assim complicados, em que já estava a desistir daquilo que gostava e inscrevi-me numa multinacional para ir trabalhar para um supermercado e quando me chamaram houve um clique que me disse: “Não, tu não vais para ali”.
A partir desse momento, eu mandei emails para tudo o que era juntas de freguesia e municípios e empresas que eu potencialmente podia ajudar a fazer alguma coisa. Em 100 emails, responderam-me dois/ três, o que já foi muito bom, já que estava à procura de alguma coisa, e a partir daí nunca mais parou a parte da pintura, mas eu tive ali uma fase que quase desisti, mas felizmente, isso não aconteceu.
Na sua perspetiva enquanto artista, qual a importância das obras para o concelho de Almeirim?
Acho que pintar um mural é trazer a cultura para todos. e para quem não teve um contacto talvez mais próximo com a arte e que possa passar, ver e que possa gostar ou não. A arte é mesmo assim: existem pessoas que gostam, existem pessoas que não gostam… Eu, também, quando vou ao museu, ou vejo peças de outros colegas que possam gostar e eu posso não gostar. É legítimo. Para o concelho, eu acho que é uma forma de trazer muito turismo. O novo turismo também vem muito com a arte urbana. Aliás, vendo os relatórios do turismo de Lisboa, seis por cento do turismo já vem com o intuito de ver as peças de arte urbana que existem em Lisboa. Acho que isso também pode ser trazido para o nosso concelho: pessoas que vêm pela nossa gastronomia e pelas nossas raízes, mas também que possam vir pela arte urbana em que estamos a tentar deixar uma marca.
Atualmente, as redes sociais estão a ser muito utilizadas para a divulgação da arte urbana. Utiliza as redes sociais para divulgar o seu trabalho?
A rede social que mais utilizo é, maioritariamente, o Instagram. O meu nome no Facebook e Instagram é @bigod.pt onde as pessoas podem acompanhar os meus trabalhos mais recentes.