Primeiro que tudo. Reação ao facto de entrar nas listas para deputado?
Sem qualquer surpresa ou angústia. Há algum tempo que os militantes de Almeirim manifestavam o desejo de ter um nome da terra na lista de candidatos a deputados. Os órgãos federativos do PS decidiram que seria eu, e eu aceitei em nome do PS de Almeirim.
Queria ir num lugar mais acima?
Não. Foi uma imposição minha. Quando o presidente da federação, o Hugo Costa, falou comigo, aceitei com a condição de o meu lugar na lista ser o último dos efetivos. É um lugar de grande significado simbólico, onde o que sobressai é a vontade de trabalhar e contribuir com a experiência adquirida. É também uma homenagem a todos os militantes e simpatizantes do concelho, pelo esforço e dedicação demonstrados em sucessivas campanhas eleitorais.
Alguma vez tinha pensado em ser deputado?
Há vinte anos atrás talvez parasse para pensar. Agora, nem no pior dos pesadelos, pois receio que as imensas responsabilidades de um deputado – porque eu nunca faria figura decorativa, e empenhar-me-ia totalmente – viessem murchar, bruscamente, as minhas juvenis e interessantes setenta primaveras.
O que será um bom resultado a 30 de janeiro?
A vitória do PS, claro. E quanto mais expressiva melhor, como desejam todos os partidos e coligações que concorrem. É assim que a democracia funciona. Temos é de convencer os eleitores das virtudes das nossas propostas e das nossas capacidades para as concretizar.
Sem maioria, haverá nova geringonça?
Não, porque a haver, a profícua inventiva de alguns depressa lhe arranjaria outro nome. O Partido Socialista é um partido de governo e, como charneira do nosso sistema, tem a obrigação de procurar soluções de governação e estabilidade com as outras forças democráticas. Depende do quadro parlamentar que resultar destas eleições, como é evidente.
Pedro Ribeiro disse que esta escolha era o reconhecimento pelo trabalho de 40 anos. Vê isso também assim?
As mais de quatro décadas que tenho dado ao Partido Socialista, à defesa duma sociedade mais justa e fraterna, onde o humanismo não seja uma mera expressão de retórica, levaram o Pedro, que me conhece há muito, a fazer essa afirmação. Se isso teve algum peso na escolha do meu nome, agradeço. Mas eu encaro isto mais pelo reconhecimento do trabalho feito nos últimos anos em Almeirim pelos militantes e autarcas, onde me incluo, com muito orgulho.
De onde veio o gosto pela política?
Com a constatação, ainda jovem, das assimetrias sociais, do poder de uns quantos e da fraqueza de muitos. Nasci e fui criança no Ribatejo rural, fui adolescente no Barreiro do operariado e a minha juventude decorreu em Angola em ambiente bem mais libertário que o do continente. Sempre tive a capacidade, que penso inata, de me pôr no lugar do outro, e quando isso acontece, vemos o mundo por diferentes perspectivas e temos vontade de fazer alguma coisa. Tive na Escola Industrial de Luanda um jovem professor de Português, que se formara na Universidade de Salamanca, que me deu a conhecer a social-democracia alemã e sueca, o que me marcou desde então.
Quando fez política pela primeira vez?
Possivelmente quando, nas folgas e nos intervalos das aulas na Escola Industrial de Luanda, um pequeno grupo cantava “os vampiros” do Zeca Afonso e, por reincidência depois de proibidos, fomos levados ao gabinete do diretor, onde dois senhores bem vestidos nos informaram que estávamos a pôr as nossas famílias em perigo, e, para meu espanto, até o nome do meu pai sabiam. Já em Portugal, nos finais da década de setenta, fui à antiga sede do PS em Santarém e pedi para me filiar. Na primeira reunião em que participei apresentei-me dizendo: “sou de esquerda, social-democrata e retornado”. Ainda me lembro da cara de espanto de alguns notáveis da época.
Que influências teve?
A nível nacional, primeiro Mário Soares e depois António Guterres.
Localmente, não esqueço Ladislau Teles Botas pelo autarca e dirigente que era e o José Niza, como grande figura da cultura.
Mas depois em Almeirim como entrou no PS?
Embora vivendo em Almeirim há mais de quarenta anos, sempre trabalhei em Santarém e foi aí que militei durante muitos anos. Mudei de secção, para Almeirim, já durante os mandatos de Sousa Gomes, e fui eleito para a Assembleia Municipal.
Tem histórias dessa época que recorde com saudade?
Como disse, nessa altura as vivências políticas foram passadas essencialmente em Santarém. Em Almeirim, por divergências de forma, não de conteúdo, com Sousa Gomes, demiti-me da AM e tive um longo período de afastamento. Mas recordo também um jovem que fora eleito para a Assembleia Municipal pela juventude socialista e que me surpreendeu agradavelmente, pela sua postura e interesse na política, e com quem criei alguma empatia, Pedro Ribeiro. Mais tarde, durante o meu afastamento, e ele já vereador, disse-lhe “só volto à política quando for para tu seres presidente”. E assim aconteceu.
O que tem o poder autárquico de tão fascinante?
A proximidade entre eleitos e eleitores. Nas autarquias, exceto nas grandes urbes, quase todos se conhecem. O poder autárquico é a instituição democrática mais apaixonante e também mais desafiante, porque exige respostas concretas e imediatas. Não há como fugir. A polivalência de um autarca é condição essencial para o êxito.
Nas últimas eleições foi diretor de campanha de Pedro Ribeiro. Alguma vez se tinha imaginado fazer uma campanha de máscara, sem jantares de campanha!?
Não. E pertenço a uma geração de baby booms que já viu tanto… Foi estranho, mas, para surpresa minha, o entusiasmo dos militantes e simpatizantes por vezes excedeu as minhas expetativas, porque, confesso, estava com algum receio.
Mas o poder de adaptação dos seres humanos é incomensurável. Se não se pode fazer de uma maneira, inventamos outra que respeite as novas regras. E os eleitores perceberam.
Esta pandemia, pela maneira súbita como surgiu, apesar de todas as tragédias que nos trouxe, também veio mostrar o melhor do nosso lado humano. O esforço da ciência, a abnegação dos profissionais da saúde e da assistência social, os movimentos de solidariedade que se desencadearam permitem-nos ter ainda esperança no HOMEM
A maioria das pessoas no concelho são socialistas ou ribeiristas?
Socialistas. Basta ver o histórico das eleições autárquicas para se constatar que, salvo o epifenómeno do PRD em 1985, logo retificado, o PS ganhou todas as eleições. E também em eleições legislativas e europeias o PS tem um saldo fortemente positivo. Não existe um ribeirismo, porque o Pedro Ribeiro é um socialista e um democrata convicto que muito honra o PS. Almeirim é um concelho sociologicamente socialista, mas que o Pedro Ribeiro, pelo seu exemplo, ainda tornou mais socialista.
Nas últimas eleições apareceram nomes de antigos militantes nas listas do PSD. Que justificação encontra quando os princípios têm tantas diferenças?
Na verdade, são os princípios ideológicos que fazem os militantes e a militância. Quando os princípios escasseiam, facilmente se embarca em projetos de poder pessoal. É só encontrar quem lhes dê boleia…
Mas, quanto aos casos em concreto que refere, ainda bem que aconteceram agora. Já poderiam ter ocorrido no passado ou surgiriam, inevitavelmente, no futuro. Assim, ficámos todos esclarecidos…
Manuel Bastos Martins até chegou a dizer que tinha estado num encontro onde ele foi convidado para a lista do PS?
Manuel Bastos Martins foi deputado municipal pelo PS nos últimos dois mandatos. Convidá-lo para continuar nas listas do PS na Assembleia Municipal, foi um ato normal que se repetiu com quase todos os outos elementos. Uns aceitaram continuar, outros mostraram indisponibilidade. Mas nenhum, como o Manuel Bastos Martins, impôs à Concelhia de Almeirim o lugar e o órgão que pretendia, ameaçando que, se assim não fosse, iria concorrer contra o Partido Socialista. Concorreu e fez muito bem, volto a dizer.
O período mais conturbado foi mesmo a saída de Sousa Gomes e essas eleições autárquicas?
Conturbado, não. O de maiores dúvidas, sem dúvida.
Suceder a um presidente que estava no poder há vinte e quatro anos, dono de uma personalidade muito forte e um excelente trabalho feito, seria sempre um grande desafio. Não se sabia claramente qual o peso que Sousa Gomes teria nesta decisão do eleitorado. Mas havia duas coisas que sabíamos: em primeiro lugar éramos o Partido Socialista, a outra, que tínhamos um grande trunfo com o Pedro Ribeiro, com a sua juventude e a enorme experiência por ele acumulada enquanto vereador.
Ou no passado com a ida de Alfredo Calado para o PRD, as coisas também foram duras internamente?
Como já referi, nesse período eu militava na secção de Santarém, embora, vivendo em Almeirim, fosse acompanhando a situação. Mais uma vez uma figura muito forte que mudara de posição. Os meus camaradas de Almeirim que viveram essa época, falarão melhor e com conhecimento de causa sobre ela.
Como analisa estes oito anos de Pedro Ribeiro como presidente de câmara?
Já escrevi bastante sobre estes anos e, tenho a certeza, que daqui por mais quatro, continuarei a dizer o mesmo acerca de Pedro Ribeiro. A excelência do seu trabalho, amplamente reconhecido por toda a gente, orgulha Almeirim, porque dele beneficia, e o País. Não aparecem muitos autarcas e políticos com a capacidade do Pedro Ribeiro. Vai ficar na história, sem dúvida, como um dos grandes presidentes de câmara do nosso concelho.
Quais as maiores virtudes e maiores defeitos dele?
Declaração de princípios: não sou porventura o mais isento para falar dele. Mas o que digo, digo-o com convicção. As suas maiores virtudes, para além das visíveis e muito reconhecidas competências para o desempenho do cargo, da sua enorme capacidade e dedicação ao trabalho, são também o ser um homem de grande formação moral e cívica e um humanista que, mesmo quando não o mostra, se preocupa profundamente com os mais desfavorecidos e os mais débeis. Defeitos? Sei, mas não digo… mas nenhum que ponha em causa a sua competência e dedicação ao serviço público. Antes pelo contrário.
Foi o melhor quadro que o PS formou nos últimos anos?
Sem dúvida um dos melhores, já reconhecido a nível nacional e, assim ele queira, uma grande mais-valia para o futuro do Partido Socialista.
A fasquia não está muito elevada para quem vier a seguir?
Os grandes presidentes deixam sempre atrás de si expectativas muito elevadas. Com a vantagem de também deixarem muita obra feita, e outras iniciadas, mas também uma dinâmica e um exemplo de trabalho que, aproveitados, muito beneficiarão o trabalho futuro.
Haverá dificuldade para a sucessão?
Sinceramente, penso que não. Nem na câmara, nem nas freguesias. Mas ainda falta muito tempo, não esquecendo nunca, que amanhã já temos menos tempo que hoje.