Competência: A advogada Ana Garcia Correia terminou o curso de Direito na Faculdade de Direito de Lisboa em 1992 e exerce advocacia de forma ininterrupta há 28 anos.
Há quantos anos exerce a profissão?
Terminei o curso de Direito na Faculdade de Direito de Lisboa (Clássica) no ano de 1992 e o estágio da Ordem dos Advogados em 1994. Na prática exerço advocacia de forma ininterrupta há 28 anos. Cheguei a fazer parte de uma sociedade de Advogados, mas nos últimos 10 anos exerço de forma individual, pese embora partilhe escritório com duas colegas e sempre detive escritório na cidade de Santarém.
Porque razão decidiu seguir este percurso profissional?
Optei pelo curso de Direito contrariando os resultados de testes psicotécnicos que efetuei e que apontavam para cursos relacionados com a área económica e contabilidade. Não fui para Humanidades e para Direito para “fugir” à tenebrosa matemática, mas sim por convicção pessoal. Desde cedo que a injustiça me causava um sentimento de repulsa e achava que tirando o curso de direito e exercendo advocacia poderia contribuir para uma sociedade mais justa.
Embora a sociedade não seja mais justa, o certo é que sempre posso auxiliar terceiros a alcançarem os seus intentos ou, pelo menos, a lutarem por eles e é muito gratificante quando se consegue cumprir com o(s) objetivo(s). Ainda que seja uma profissão de elevado desgaste, não só por exigir uma atualização permanente, com várias horas de leitura e interpretação, mas também, por exigir que pratiquemos vários papéis, como sejam, “psicólogo”; “terapeuta familiar”; “conselheiro” e outros.
Por exercer uma advocacia denominada de “província” (fora da grande Lisboa e Porto) trabalho com todos os ramos de direito o que é positivo, uma vez que, uma questão (problema) de direito mexe em simultâneo com vários ramos do direito.
Quais as características para ser um bom advogado?
Ser “Bom Advogado” depende da perspetiva, sobretudo do cliente. Há quem entenda que um bom Advogado é aquele que independentemente dos meios utlizados, atinge os objetivos do cliente; por outro lado há aqueles para quem os bons advogados são os que conhecem as pessoas certas nos lugares certos que lhes facilitam tarefas e objetivos e, por último, os que são só competentes.
Para mim um Bom Advogado é aquele que é competente, que detém características como: honestidade, lealdade, dedicação, confidencialidade, que respeita todas as partes, age com urbanidade e respeito, sem denegrir a parte contrária e sem recurso a meios menos transparentes.
Apesar de o Direito à Justiça ser um direito constitucionalmente garantido, a verdade é que é inacesível para um leque considerável de cidadãos
Ana Garcia Correia, advogada
Que casos mais a marcaram neste percurso?
Um dos casos que mais me marcou ocorreu quando ainda era estagiária. Com a minha vontade de alcançar a justiça e o melhor para cada um dos representados, debati-me para que uma jovem toxicodependente que defendia oficiosamente não fosse condenada em pena de prisão (ela já tinha registo criminal considerável), o que consegui. Foi condenada em pena de multa, que caso não fosse paga seria convertida em 113 dias de prisão. No entanto, no final ela informa-me que como não eram muitos dias de prisão não justificava pagar a multa, preferindo ser presa. Com este caso aprendi logo que o significado de Justiça é variável de pessoa para pessoa e que é da maior relevância conhecer os exatos objetivos dos representados/clientes. Claro que, com tantos anos de advocacia, já me deparei com vários casos empolgantes e complicados que me tiraram o sono, mas também são esses que quando terminam de forma favorável para o cliente geram um sentimento de justiça feita e contribuem para uma boa autoestima.
Que área mais gosta?
Acho que a esta questão, se me permite, prefiro responder na negativa, ou seja, pelas áreas que menos gosto, uma vez que, são em número inferior relativamente àquelas de que mais gosto. Não aprecio o ramo criminal. É um ramo onde, muitas das vezes, estamos a auxiliar um ser humano que não contribui para uma sociedade livre, honesta, pacífica e sobretudo Justa, muito pelo contrário.
Existe a percepção pública, ou pelo menos mediática, de que a justiça portuguesa, em particular na área penal, é lenta e não pune os poderosos. Acha que temos uma justiça diferente para ricos e para pobres?
Sim, de facto há essa perceção pública, mas na verdade, hoje a justiça já não é tão lenta como já foi no passado. Os meios dilatórios foram reduzidos, como por exemplo a falta de uma testemunha não implica a não realização de uma audiência de julgamento e em penal até é possível realizar audiência sem a presença do arguido. Não quero com isto dizer que a justiça é célere, que não o é, contudo também existem situações em que o tempo é fundamental para a resolução justa e ponderada do caso. Os megaprocessos e mediáticos são prova disso, assim como são prova que não fazem sentido. Face a magnitude do número de envolvidos, tipos de crime, factos, provas e outros é humanamente impossível obter decisões céleres e justas. São processos que na prática só beneficiam os efetivos criminosos. Esta má imagem da justiça só será alterada com: a) o fim dos megaprocessos e optar por processos de menor envergadura, de resolução mais rápida; b) transparência nas magistraturas; c) aproximação da justiça aos cidadãos por forma a que estes possam compreender a sua linguagem e decisões.
Há quem considere que os chamados megaprocessos não ajudam a melhorar a imagem negativa do sistema. Que opinião tem?
Sim, entendo que existe uma justiça para pobres e outra para ricos. Apesar de o Direito à justiça ser um direito constitucionalmente garantido, a verdade é que é inacessível para um leque considerável de cidadãos. As taxas de justiça e custas do processo são exorbitantes e só tem acesso ao apoio judiciário aqueles que são mesmo muito pobres. Os remediados, que não beneficiam de apoio judiciário, têm muita dificuldade em assegurar o pagamento das taxas, optando por não intentar processos, ou quando os intentam, optam por não recorrer de decisões desfavoráveis por tal representar um custo acrescido que, infelizmente, não conseguem suportar.