Novo Aeroporto

Tendo em conta a minha atividade profissional, tenho acompanhado com bastante interesse o desenrolar do debate sobre a localização para o novo aeroporto. Tem sido na generalidade uma discussão interessante, até certo ponto aberta, mas onde também tem havido alguma desinformação.

É com alguma preocupação que vejo as últimas notícias, nomeadamente os apontamentos relativos aos contratos de consultoria realizados pela Comissão Técnica Independente (CTI), a possibilidade de exclusão de algumas das opções do relatório final da CTI ou até todo o processo em que o atual governo (a prazo) se vê agora envolvido devido às acusações de tráfico de influências (entre outras) e que envolvem diretamente o (demissionário) Ministro das Infraestruturas. Tudo isto poderá colocar em causa a independência da Comissão Técnica (In)dependente. Não é segredo e são vários os indicadores da preferência da CTI pela opção de Alcochete… mas indo por partes.



Numa primeira fase, foram admitidas outras opções de localização, no entanto estas foram reduzidas com critérios no mínimo, discutíveis. Por exemplo, não se compreende a manutenção da opção do Montijo. Esta localização é literalmente adjacente a uma reserva natural de aves. Não é necessário ser especialista para compreender que aviões e aves não se dão bem. Ambas as “espécies” não podem coabitar o mesmo espaço e quando há encontros, estes são potencialmente catastróficos para ambos.

Também não se compreende a manutenção da opção de Alcochete. É sabido que sob esta localização existe um dos maiores aquíferos da Europa. Um Aeroporto, com toda a sua infraestrutura e construção não será inócuo para este ecossistema, podendo danificar este recurso de forma permanente. Recentemente saíram também notícias sobre o abate de sobreiros que seria necessário para esta opção. Quero acreditar que a CTI, tendo em conta que tem acesso a toda a informação relevante, já teria conhecimento deste impacto, pelo que não é atendível como esta opção se mantém viável.

Além destas questões, existem outros pontos muito importantes, que talvez não estejam a ser abordados da melhor forma. Um aeroporto é um negócio. A sua localização e infraestrutura de suporte é muito importante e pode ser aquilo que viabiliza ou não esse negócio. A análise deveria ser feita sobre todo o modelo de negócio, obviamente incluindo a parte da localização e impacto ambiental, mas não somente focado nestes aspetos. Um futuro aeroporto não irá funcionar por decreto.

Temos o exemplo do aeroporto de Beja, que apesar de toda a infraestrutura existente, nenhum concessionário lhe pega, exatamente porque não existiu um modelo de negócio associado aquando da decisão da sua construção. Talvez fosse interessante verificar quais foram os interesses que levaram a que o dinheiro dos contribuintes fosse gasto naquele empreendimento sem viabilidade, mas isso seria outro assunto. (Alguns membros da equipa do atual governo não faziam parte da equipa do governo que na altura tomou esta decisão?)

Neste aspeto, é interessante verificar que a única opção que apresentou um modelo de negócio e plano associado, foi o Magellan 500 (pelo menos, que seja do domínio público). Para todas as outras opções, não são conhecidos os planos ou modelos de negócio. Talvez porque para todas as outras opções atualmente em cima da mesa, o concessionário já esteja escolhido porque estão dentro do raio de exclusividade da atual operadora do aeroporto Humberto Delgado. Talvez fosse importante questionar o que é que o país terá a ganhar com isso. Será ideal construir um aeroporto para o qual o concessionário já está escolhido? Que motivação terá esse concessionário em investir numa nova infraestrutura? Será do interesse nacional gastar o dinheiro dos contribuintes para construir um novo aeroporto e toda a infraestrutura de suporte para depois entregar a sua exploração a uma empresa que já está decidida (e como tal não haverá concurso, nem concorrência, nem provavelmente, contrapartidas)?

O Megellan 500 é a única proposta em análise que está fora desse raio de exclusividade. Por isso mesmo, a distância a Lisboa tem sido apontada como um aspeto negativo. A distância é sem dúvida um facto. Mas também não seria possível de outra forma se o interesse é propor um aeroporto fora desse raio de exclusividade. Não vejo como seria possível alguém ter interesse em investir na construção de um aeroporto, se esse mesmo aeroporto já tiver a entidade que o vai explorar decidida. Seria a mesma coisa que investir na construção de uma casa sobre a qual um terceiro teria o direito de a ocupar. Não existiria qualquer contrapartida. De forma análoga, se o operador já está neste momento a explorar um aeroporto, qual o interesse de investir num outro, ao lado? Ou seja, se neste momento já estou a ocupar uma casa, que interesse tenho eu em investir na construção de outra casa ao lado quando, se alguém o fizer por mim, eu terei sempre direito a esta?

Adicionalmente, em termos de mobilidade, a distância não pode ser medida em kms. Deve ser medida em tempo e oportunidades/opções. Nesse âmbito, a proposta do Magellan 500 tem apresentado de forma credível (já que usa exemplos existentes) tempos e opções de acesso a Lisboa competitivas e razoáveis. Por outro lado, Portugal não é só Lisboa e por isso é de referir que a localização proposta pelo projeto Magellan 500 irá permitir que mais de 40% da população de Portugal esteja a pouco mais de 1 hora de distância. Isto sem ser necessário construir quaisquer estradas ou ferrovia adicional, de relevo. A sua localização permite tirar partido da rede de transportes já existente.

Analisando mais concretamente a zona metropolitana de Lisboa, cerca de 50% da população reside na zona Oeste (cerca de 1,3 milhões de pessoas). O acesso à localização proposta pelo Magellan 500, pode ser realizado diretamente para norte, via CREL seguindo depois para a A8 ou A1. Todas as outras opções de localização para o aeroporto, são na margem sul do Tejo.

Pelo que, a população da zona Oeste, para ter acesso para qualquer destas opções, terá de necessariamente passar por Lisboa, com todas as implicações de transito que isso tem (e são sobejamente conhecidas), de forma a terem acesso a uma travessia do Tejo pela ponte 25 de Abril ou ponte Vasco da Gama. Lisboa funcionaria como um funil. Todos os eixos internos de Lisboa estão sistematicamente congestionados e uma terceira travessia que está prevista desembocar diretamente na segunda circular, não me parece ser a solução.

Se a esta análise, adicionarmos toda a população, até sensivelmente Coimbra, que fica com um acesso mais difícil e longo em termos de tempo para qualquer opção a sul do Tejo, não restam dúvidas que um aeroporto a norte do Tejo terá sempre um acesso mais descongestionado e fácil. Numa perspetiva nacional, e tendo em conta o potencial descomissionamento do aeroporto Humberto Delgado, será que faz sentido Portugal ficar com 3 aeroportos a sul do Tejo (Faro, Beja e o novo aeroporto) e apenas 1 a norte, no Porto, quando a maioria da população reside a norte do Tejo?

Importa também dizer que para qualquer opção a sul do Tejo, ainda não existe a estrutura rodoviária e ferroviária necessária, pelo que o investimento terá também de comtemplar a construção de dezenas (ou até centenas) de Kms de estradas e ferrovia, incluindo a terceira travessia no tejo.

Tem sido de forma estranha que se tem secundarizado o aspeto do investimento. O Megellan 500 apresenta uma proposta sem qualquer custo para o contribuinte, enquanto todas as outras propostas implicam um avultado investimento de dinheiro público. Seria interessante perceber qual o peso do critério do investimento na decisão.

No que diz respeito ao modelo de decisão, este também não é completamente claro. Os critérios foram relativamente descritos, mas não é claro em todos de que forma serão mensuráveis (alguns indicam como unidade de medida uma “descrição qualitativa”). Existem também indicadores que serão baseados em estimativas ou obtidos através de estudos contratados pela CTI. Contratos esses que têm levantado questões relativamente à independência e conflito de interesses. É um facto que todos os elementos da equipa técnica PT1 – Estudos de Procura, têm ligações à mesma empresa, contratada para proceder a esse mesmo estudo.

Outros indicadores parecem ser redundantes, como por exemplo as taxas de juro. De que forma é que as taxas de juro poderão variar entre as várias alternativas a ponto de criar preferência por uma alternativa em relação a outra? As taxas de juro não serão as mesmas seja qual for a alternativa? De que forma pode a localização influenciar as taxas de juro?

Por outro lado, não existe informação sobre todas as alternativas em análise. O projeto Magellan 500 já foi por diversas vezes apresentado publicamente. No entanto, o mesmo não se pode dizer sobre as outras alternativas. Assim, a informação relativa a estas pode ser ajustada conforme a “conveniência”. Por exemplo, para o indicador relativo ao “número potencial de pistas” ou o indicador “1525 m de distância entre eixos de pista”. Ou seja, para muitos indicadores, pode ser criada uma resposta à medida, já que os projetos (ou planos) não são conhecidos publicamente, exceto o Magellan 500.

Ainda assim, e assumindo que todos os indicadores (e respetiva informação) possam ser relevantes, falta uma informação crucial: o peso (ou nível de importância) de cada critério e, consequentemente, de cada indicador. De uma forma geral, para a criação de um modelo multicritério de apoio à decisão (neste caso multi-atributo, já que estamos a considerar um conjunto de alternativas finito), são necessárias e essenciais, 3 informações: (1) as alternativas que estão em consideração, que neste caso existem e são conhecidas, (2) os critérios e os respetivos indicadores, que ainda que discutíveis e com falta de informação, estão presentes, e (3) a importância relativa de cada critério e indicador, que não existe. Por outras palavras e de uma forma menos académica, se não é indicada a importância relativa de cada indicador aquando da criação do modelo, esta pode ser posteriormente ajustada de forma que o resultado seja o mais “conveniente”.

Em suma, todo este processo está revestido de uma falsa transparência que em nada credibiliza o trabalho que está a ser desenvolvido pela CTI. Existia potencial para fazer melhor.

Resta esperar que todo este trabalho não redunde em algo para servir os interesses de apenas alguns. O aeroporto Humberto Delgado é limitado e apresenta vários problemas que já foram sobejamente discutidos. Uma alternativa é necessária, mas há que pensar maior. Há que pensar que acima de tudo, um novo aeroporto será para servir o país e não apenas Lisboa.

João Raposo
Atualmente sou Gestor de Projetos na Escola de Aeroespacial da Universidade de Cranfield e professor regente da cadeira de otimização e decisão do curso de Mestrado em Inteligência Artificial Aplicada na mesma instituição.
A minha formação base é em engenharia Mecânica do Instituto Superior Técnico. Em 2010, no âmbito da minha tese de mestrado, desenvolvi um algoritmo e modelo de apoio à decisão para a localização de pontos de carregamento de veículos elétricos (1) . O meu trabalho e algoritmo foram utilizados na decisão para a implementação dos carregadores públicos de veículos elétricos, na cidade de Lisboa.

Universidade de Cranfield (2)
A Universidade de Cranfield 3 é conhecida mundialmente pela sua qualidade académica (top 30 a nível mundial de acordo com o QS World University Rankings by Subject 2023 – Engenharia Mecânica 4 ) e por ser a única Universidade na Europa que tem o seu próprio aeroporto (5) . É uma Universidade que tem apenas cursos de pós-graduações (Mestrados e Doutoramentos), pelo que tem um grande foco na investigação e inovação, assim como uma estreita relação com a indústria aeroespacial. Exemplo dessa colaboração com a indústria na escola de aeroespacial (6) são o Aerospace Integration Research Centre (AIRC) (7) e o Digital Aviation Research and Technology Centre (DARTeC) (8) .

1 https://fenix.tecnico.ulisboa.pt/cursos/memec/dissertacao/2353642277632
2 https://www.youtube.com/watch?v=chdBcZweCBE
3 https://www.cranfield.ac.uk/
4 https://www.topuniversities.com/universities/cranfield-university
5 https://en.wikipedia.org/wiki/Cranfield_University
6 https://www.youtube.com/watch?v=6OlR88uYG7Y
7 https://www.cranfield.ac.uk/centres/aerospace-integration-research-centre
8 https://www.cranfield.ac.uk/centres/digital-aviation-research-and-technology-centre