Uma bula pontifícia nada mais é que uma permissão autorizada pelo Papa, com força de lei eclesiástica, concedendo indulgências ou graças, a quem pratica actos meritórios para a Igreja e fé cristã. E Portugal apoiado num destes documentos expedidos pela Santa Sé, uma bem explícita e já do tempo de D. Afonso IV, a “Gaudemus et exultamus”, de 1341, validará uma das razões porque vai partir para a Expansão no século XV, inicialmente ao Norte da África, altamente islamizada: o de conquistar gente e terras para a cristandade, combatendo os infiéis. A outra razão, a mais importante e desconhecida da maioria dos portugueses, foi um conjunto de circunstâncias políticas, sociais, económicas e geográficas que a Europa vivia na segunda metade do século XIV (a partir da chegada da peste negra de 1348, seguida pelas revoltas camponesas e pela crise do feudalismo) e que obviamente ocasionaram também em Portugal um período de crise, depressão e morte, trazendo a fome, a peste, conflitos sociais, revoltas urbanas e rurais, sendo a mais famosa a do alfaiate Fernão Vasques, de 1371, que à frente de “três mil mesteirais, besteiros e homens de pé”, afirmaram o seu protesto ao rei acabando ele e muitos dos seus companheiros enforcados. Este período agudiza-se com a crise dinástica de 1383–1385, período em que não existiu um rei no poder e aconteceram as batalhas da Aljubarrota, Atoleiros, Trancoso e Valverde contra o Reino de Castela.
Quando deu início à sua Expansão, Portugal não teria à época uma população superior a um milhão e cem mil habitantes. Daí que, para a ocupação de territórios não cristianizados, não só participariam portugueses, mas também mercenários ingleses, galegos e biscainhos. No sentido de facilitar a mobilização deste tipo de homens foi importante a bula papal “Gaudemus et exultamus” atrás referida, bem como as circunstâncias políticas, sociais e económicas gravemente acentuadas nos finais do século XIV. Estavam reunidas as condições que levarão D. João I a conquistar Ceuta em 1415, no Norte de Marrocos. Assim, a 25 de Julho de 1415 largavam de Lisboa perto de 150 navios entre barcas, galés, galeotas e cocas, com um exército de 19 000 homens em armas. Não partiam às cegas. As manobras de espionagem por cortes europeias e mesmo dentro das “linhas” inimigas e uma inteligente contra-informação, características comuns desde o início da Expansão Portuguesa, fizeram de Ceuta o primeiro alvo. De imediato, a 4 de Abril de 1418, o Papa Martinho V emite a bula “Rex regum” onde «… prescreve o reconhecimento implícito a Portugal da Praça de Ceuta e das outras cidades e terras que el-rei D. João I, auxiliado pelos demais príncipes e fiéis cristãos, vier a tomar». A Bula “Sane charissimus” de 4 de Abril de 1418, do mesmo Papa, vem reafirmar os princípios expostos na bula anterior, recomendando a participação de todos na guerra contra os infiéis em África, concedendo-lhes «… indulgências e a remissão dos pecados». Perante o pedido de D. João I para que a remissão dos pecados fosse por cinco anos, Martinho V alargará, a 26 de Março de 1419, pela bula “Ab eo qui humani”, a concessão para sete anos. Isto é, os portugueses e mercenários europeus que integravam as forças cristãs, independentemente de serem ou não grandes pecadores ou criminosos violentos e fugidos à lei, veriam removidos todos os seus pecados, caso permanecessem por sete anos naqueles territórios combatendo os infiéis, podendo assim, em caso de morte, ter acesso ao “reino dos céus”.
Apoiado nestes “alvarás passados por diferentes Papas” e porque o êxito da conquista de Ceuta trouxera novos mercados e novas fontes de matérias primas, que, aliadas não só à evolução da nossa marinha desde 1317, mas também facilitada pelo crescimento demográfico da transição do século XIV para XV, lançará Portugal na aventura de “ir procurar” novos cristãos e melhor comércio. Iniciava-se a Expansão Marítima Portuguesa levando voluntariamente do país como descobridores, marinheiros, soldados, mercadores e missionários, todos eles com um propósito de intensões, desde o idealismo mais elevado e auto-sacrificado em servir Deus e o Rei, até à ambição mais sórdida de ganhos materiais, todos eles devidamente protegidos pela bênção divina.
Após a conquista de Ceuta e até o final do século XV, Portugal conquistará ainda Alcácer-Ceguer, Arzila, Tânger e Beni Boufrah (cont.).
[Bibgª: G. Zurara, D. Lopes, F. Paula. Por decisão pessoal, o autor não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico].
Opinião, por Cândido de Azevedo