Emanuel Boieiro, cresceu em Almeirim, e é hoje em dia o presidente do Sindicato Nacional dos Enfermeiros. Numa grande entrevista a O ALMEIRINENSE passa em revista os anos passados no ribatejo e fala de um sector que conhece muito bem.
Emanuel Boieiro, presidente do Sindicato Nacional dos Enfermeiros, quais as maiores lutas nesta fase?
Nesta fase, o nosso maior objetivo é a concretização do primeiro Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) para os enfermeiros. Este instrumento de regulamentação coletiva de trabalho permitiria corrigir injustiças e aplicar regras iguais entre enfermeiros com diferentes tipos de vínculo em exercício de funções no SNS, tal como já acontece noutras carreiras especiais do setor da Saúde. Este governo fez um esforço de valorização salarial no final de 2024 que é preciso reconhecer, mas as condições de trabalho dos enfermeiros em Portugal estão ainda longe daquilo que é necessário para reter talento no setor público e evitar que emigrem, todos os anos, mais de 2000 enfermeiros.
O SNS continua a passar por um período de enorme turbulência. Ainda há dias a demissão do diretor executivo do SNS. Parece que isto não tem fim?
O governo tem um programa para todas as áreas governativas. A responsável pela política de Saúde é a Ministra da Saúde. Independentemente, das qualidades pessoais, técnicas, académicas e profissionais de qualquer pessoa nomeada (ou falta delas, nalguns casos), o que importa é o cumprimento rigoroso das orientações e estratégias políticas definidas superiormente. Isto é válido para a DE-SNS, CA das ULS e demais instituições que dependam da tutela. Espero que o “ruído” ou a capacidade de aparecer mais ou menos vezes na comunicação social não condicionem a concretização dos desígnios definidos. A valorização dos profissionais de saúde, nomeadamente, dos enfermeiros e a segurança e qualidade dos cuidados de saúde prestados aos cidadãos não pode estar dependente dos “homens/mulheres providenciais” que, na sua própria cabeça, julgam ter a solução para os problemas complexos que 9 anos de desgovernação e desinvestimento causaram. As soluções são complexas e implicam o envolvimento e participação ativa de todos os que diariamente nas equipas multidisciplinares contribuem para os resultados em saúde que são conhecidos.
Continuamos a ter poucos enfermeiros em Portugal. Como se resolve este problema?
Por um lado, continuar este caminho de diálogo permanente com os sindicatos. O anterior Ministro da Saúde, Dr. Manuel Pizarro, nunca se sentou à mesa das negociações com os enfermeiros, adiando a resolução de problemas e agravando o descontentamento. Dos cerca de 3500 enfermeiros que se formam anualmente, a maioria emigra ou vai trabalhar para o setor privado. A questão principal, para além dos salários não condizentes com o grau de formação, alto risco e desgaste rápido da profissão, as condições de trabalho, a flexibilidade de horário, as oportunidades de desenvolvimento de investigação, de trabalhar em projetos inovadores ou de promoção continuam a ser melhores na esmagadora maioria dos países da União Europeia ou no setor privado.
O problema tenderá a melhorar ou agravar-se?
Neste momento, a tendência será a de melhorar, pois é difícil piorar. Na União Europeia, só existem 2 países que pagam pior aos enfermeiros, a Letónia e a Lituânia. Recentemente, estive em representação do SNE em Bruxelas, num evento no Comité Económico e Social Europeu, e pude verificar o que já sabíamos, temos em Portugal das melhores formações, ao nível da licenciatura em Enfermagem, mestrados com especialização em áreas que ainda estão em estudo noutros países desenvolvidos e doutoramentos, mas as competências, a valorização e o reconhecimento das mesmas tarda em concretizar-se. Tenho a certeza, que podemos ajudar o SNS a tornar-se mais sustentável, seguro e com qualidade para todos os cidadãos, especialmente, para os mais vulneráveis, como as crianças e idosos.
Porque decidiu ir para esta área?
É uma boa pergunta. Como sabe, frequentei a Escola Secundária Marquesa da Alorna e as notas, felizmente, foram, quase sempre, acima da média, sendo que gostava de várias disciplinas. Ao contrário da maior parte das pessoas que já tinha definido as suas opções anteriormente, a minha decisão foi tardia, mas totalmente individual e, talvez, impulsionada pelo facto de querer fazer algo pelo outro enquanto ser humano, tornando-o mais saudável, mais capaz, mais apto para decidir por si próprio o seu futuro. Acabei por entrar na primeira opção de candidatura para a universidade, na Escola Superior de Enfermagem de Maria Fernanda Resende, em Lisboa, em 1999 e acabei o curso em 2003.
Qual tem sido o seu percurso profissional?
Felizmente, tenho tido experiências enriquecedoras e diversificadas, seja no aspeto do exercício clínico como noutras áreas. Trabalhei em todos os setores (público, privado e social), mas posso destacar, do ponto de vista de exercício clínico como enfermeiro, os anos em que trabalhei no Hospital dos Capuchos, primeiro no serviço de Hematologia entre 2004 e 2006 e depois no serviço de Medicina Interna entre 2006 e 2012, ano em que concluí a especialidade em Enfermagem de Reabilitação, e depois no Hospital de São José, serviço de Medicina Interna entre 2012 e 2015 e serviço de Cirurgia entre 2015 e 2018. Entretanto, com responsabilidades parentais já em 2017, optei por concorrer para a ARSLVT e iniciei funções como enfermeiro especialista em Enfermagem de Reabilitação na Unidade de Cuidados na Comunidade (UCC) Ponte para a Saúde em Coruche, fazendo um trabalho de reabilitação respiratória, neurológica e ortopédica ao domicílio que gosto bastante e que tem trazido resultados em saúde muito positivos para a população daquele concelho. Claro que, ao longo deste período, fui desenvolvendo e aprofundando os conhecimentos académicos e profissionais noutras áreas como a gestão em saúde, a administração pública e a saúde pública, assim como fui eleito, entre 2019 e 2022, como secretário-executivo da UGT e fundei, a 12 de fevereiro de 2022, o SNE – Sindicato Nacional dos Enfermeiros, onde sou Presidente da Direção e ao qual dedico hoje a maior parte do meu tempo. Entretanto, fui eleito como vogal para a Assembleia de Freguesia de Quinta do Anjo, no concelho de Palmela onde residi vários anos, terminando, este ano, o mandato autárquico que me foi confiado.
Nunca pensou sair para o estrangeiro?
Pensei nisso e fui a duas entrevistas, uma para o Reino Unido e outra para a Arábia Saudita, ambas em 2013 ou 2014 e, apesar de aliciantes do ponto de vista financeiro, não consideravam alguns aspetos que para mim eram fundamentais, como a experiência anterior na gestão de equipas e projetos, assim como a colaboração que fazia na altura como assistente convidado com a Escola Superior de Enfermagem de Lisboa. Optei por ficar e não me arrependi. Em 2017, fui pai e essa possibilidade ficou colocada de parte, pois ponho a minha família acima de qualquer outro interesse.
E a ligação a Almeirim ainda a mantém?
Sim, mantenho cá alguns familiares e amigos dos tempos de escola, desde a primária ao secundário. Almeirim é uma cidade com um potencial enorme, ainda por explorar, sobretudo, na área económica e cultural. A qualidade de vida também passa pela capacidade de não ser preciso sair da nossa terra para adquirir bens ou serviços, sejam eles em que setor for. Lembro-me que, quando estava no ensino secundário, para ir ao cinema tínhamos de ir a Santarém e para comprar CD´s, livros ou roupa era preciso ir a Lisboa. Imagino que hoje seja diferente, mas em 22 anos era possível ter tornado Almeirim uma cidade mais cosmopolita.
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E memórias de Almeirim?
As memórias dos meus avós nas Fazendas de Almeirim, que sempre trabalharam na agricultura, das idas em carroça até aos Gagos. Dos sábados de manhã em que fazia Almeirim-Fazendas em bicicleta e dos almoços em família. Dos jogos de futebol com os colegas no recreio da escola primária, das sebentas e da Professora Teresa. Mais tarde, do trabalho no Verão nas vindimas e na Compal. Das tardes a conversar com amigos na Cocheira Velha e que deveriam ser passadas a estudar. Das noites no Poço Velho e, algumas vezes, poucas, na discoteca QB. Os jogos de andebol que fiz e os jogos de hóquei que assisti. Não podia deixar de referir as noites de futebol de salão e de bingo no ringue perto de casa, assim como os 20 km de Almeirim. Enfim, belos tempos.
Um dia pensa em voltar para cá?
Essa é uma pergunta que faço a mim próprio cada vez que aqui venho. Fui feliz em Almeirim e guardo boas memórias desta terra e das suas gentes. Eu também sou daqui, apesar de ter nascido em Almada, vim para cá viver com 3 anos e acabei por manter ligação até ao dia de hoje. Pode ser que um dia surja a oportunidade.
Nem ter uma vida ativa cá, imagina?
Quem trabalha em Coruche, pode trabalhar em Almeirim. Hoje, com o cargo que desempenho, praticamente, a tempo inteiro, isso até seria possível, mas, para me mudar definitivamente, teria de abraçar um projeto profissional ou outro bem mais atrativo e aliciante. Por acaso, por circunstâncias várias e recentes, não está, totalmente, posta de lado essa hipótese de um dia regressar.
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Como acompanha o que por cá se vai passando?
Para além das visitas, mais ou menos regulares, acompanho as notícias de “O Almeirinense” e outros jornais regionais, assim como as redes sociais dos amigos e também vou falando com enfermeiros e enfermeiras que aqui vivem ou trabalham. A minha opinião é que, depois de um período de desenvolvimento evidente, com a melhoria de algumas infraestruturas e rede viária, houve uma estagnação e isso nota-se na zona envolvente das piscinas municipais, no mercado municipal que poderia ter um aproveitamento semelhante ao que fizeram em Santarém e até a própria biblioteca que beneficiaria em ser um espaço cultural renovado e dinâmico. A renovação do IVV foi uma boa ideia, mas sem capacidade hoteleira para instalar aqueles que nos visitam, acabará por beneficiar as cidades vizinhas com capacidade para os alojar, como acontece com eventos de maior dimensão como os 20 km de Almeirim. Fiquei até bastante desapontado por verificar que um investimento de 90 milhões de euros foi recentemente deslocalizado de Almeirim para Santarém. Uma cidade como Almeirim, com um potencial e uma localização estratégica tão boa, tem de fazer tudo por tudo para que os seus quadros qualificados espalhados pelo País e até fora dele, regressem, invistam e aqui vivam e trabalhem. Isso é possível, mas tem de haver uma mudança das pessoas que têm estado à frente dos destinos da Câmara Municipal de Almeirim, com mais ambição e dinamismo. Obviamente, a autarquia não interfere nas decisões empresariais, mas quanto maior a sua capacidade e flexibilidade de atuação, maior é a atratividade do concelho.