Aos 17 anos, a almeirinense Filipa Ribeiro da Cruz publicou o seu primeiro romance “Onde Param os Anjos” e este ano lançou “Chovem Cravos em Paris”, o seu segundo livro. A escritora falou com O Almeirinense sobre o seu percurso literário e dificuldades sobre o mundo da escrita.
“Chovem Cravos em Paris” é o seu segundo romance. Onde e como surgiu o momento em que percebeu que gostava de escrever e queria lançar uma obra?
O gosto pela escrita surgiu desde cedo. Já em tenra idade, gostava de escrever histórias e poemas. Com o passar dos anos, essa paixão continuou. Aos 17 anos, tive a sorte de conseguir publicar pela primeira vez e esse foi o momento a partir do qual comecei a sonhar publicar mais livros. Em suma, diria que o gosto esteve sempre cá desde menina e o querer lançar uma obra surgiu naturalmente.
Qual foi a sua reação ao publicar um livro pela primeira vez?
Quando recebi duas respostas positivas para a publicação do meu anterior romance, nem quis acreditar. Sendo que é difícil publicar em Portugal, fiquei muito feliz. Foi uma grande realização pessoal e, diria eu, profissional. Foi o início do percurso e isso deixa sempre uma marca.
Qual foi a reação dos almeirinenses relativamente ao seu segundo romance?
Sendo que o lançamento foi em junho de 2021 e não foi possível até agora, devido aos constrangimentos derivados da pandemia, ter um evento presencial para apresentação do livro, ainda não existe propriamente uma reação. Contudo, por parte das pessoas que me conhecem e que residem em Almeirim, a reação tem sido bastante positiva. Quiseram comprar o livro e muitas pessoas já leram, dando uma opinião muito positiva sobre a história.
Sentiu dificuldades no processo de escrita do livro? Se sim, quais as dificuldades?
Sim, existiram dificuldades. Desde logo, conciliar a escrita com a vida académica (enquanto estudava Direito) e profissional. Além disso, a necessária investigação prévia dos temas, porque muito do que escrevi é, também, revelador de partes da nossa História e, por isso, tratando-se de factos, há que procurar informação até ao mais ínfimo detalhe. Por vezes, surgem também emoções menos positivas: há sempre momentos em que não há qualquer inspiração, há frustração, há o não acreditar que se vá chegar a algum lado com a história. Mas sempre consegui levantar a cabeça e pensar, “faço isto por gosto, vou em frente”.
Falou das pessoas de Almeirim. Em algum dos seus livros, inspirou-se em pessoas, acontecimentos ou freguesias do concelho?
Inspirei-me em pessoas, neste caso familiares. Os meus avós maternos, por um lado, que sempre residiram em Almeirim, deram-me a experiência e o olhar sobre o que é ser idoso/a. As dores, é certo, mas também a luta diária, as histórias de vida, o saber que não se aprende em nenhuma profissão ou nenhum manual. Por outro lado, inspirei-me na história do meu bisavô paterno, mas este não residia em Almeirim, mas sim em São Vicente do Paul, concelho de Santarém.
A Filipa já escreveu dois romances. Quais os passos que segue no seu processo de escrita?
Não tenho propriamente um método de escrita linear. A inspiração e a ideia para uma nova história surgem muitas vezes sem anúncio. Aí, rabisco a ideia em geral. Depois, a partir daí, começo a elaborar. As personagens, o enredo, o fio condutor. Como se fosse um argumento de um filme, diria. Depois, há que investigar, caso a história se baseie em factos reais.
Falou que se inspirou na sua família para alguns pontos dos seus livros. O mesmo também é referido a factos reais?
Sim, é baseado em episódios que, segundo me contaram, terão acontecido. Falo das vivências deste meu bisavô, pai da minha avó paterna, que participou na Primeira Guerra Mundial. E mais não posso dizer, fica a curiosidade.
Para além de escritora, vai abraçar um novo desafio profissional enquanto jurista. Como consegue conciliar as duas vertentes (a de jurista e a de escritora)?
É uma tarefa difícil. Nem sempre sobra tempo para a escrita, confesso.
Porque diz isso?
A vida profissional pode absorver muito de nós. Nem sempre chegamos a casa com vontade de escrever. Tento, ao máximo, pensar que, a pouco e pouco, vou conseguindo fazer ambas as coisas. As ideias vão surgindo, e neste momento, já tenho até duas ideias para dois próximos livros, mas, como disse, são processos lentos, não é do dia para a noite. Há que pensar bem o enredo, as personagens, criar novos ambientes e realidades.
Falou que tem mais ideias literárias para o futuro. Poderia dizer aos almeirinenses um pouco dos próximos livros (mas sem revelar todos os segredos)?
Posso. Ambos são mais ousados. Num deles, pretendo escrever sobre realidades ocultas na época da ditadura, e onde existirá o retrato de estigmas e de problemas sociais que, ainda hoje, permanecem vivos. A outra ideia é, digamos, sobre um evento que imagino e que se passa no futuro. Mas não vou levantar mais o véu.
Muitos escritores afirmaram que a pandemia ajudou-os no seu processo de escrita e de inspiração. No seu caso, também aconteceu o mesmo ou foi ao contrário?
Aconteceu o mesmo, julgo eu. Sobretudo no que respeita à poesia. Comecei a escrever muitos poemas e partilhava-os na minha página. Ainda o faço, mas quando estávamos em confinamento, foi mesmo intenso nesse sentido.
Na sua opinião, qual a importância da população do concelho de Almeirim apostar mais na leitura de autores portugueses e a sua importância?
Diria que, muitas vezes, a mentalidade portuguesa arrasta-nos para a ideia de que o que vem do estrangeiro será melhor. Isso não é verdade, sendo que há uma riqueza literária em Portugal que é pouco valorizada. Apostar em autores portugueses/as é apostar na arte em Portugal, bem como na cultura. É criar valor acrescentado e fomentar carreiras de jovens, como eu. Mas é também valorizar e dar voz àqueles que são desconhecidos, mais velhos ou mais novos. Hoje em dia, o que se vê na TV e nas redes sociais tem um impacto flagrante. Bom, muitos/as dos escritores/as não são influencers, não vendem marcadores de livro com códigos para promoção. Talvez o erro seja nosso (risos!). Já fazemos giveaways, é verdade. Mas, de facto, vivemos numa altura em que as pessoas são francamente influenciadas pelo que é mais fácil e pelo que é imediato. Ora, os livros não são imediatos. Hoje, há também áudio-livros, há livros disponíveis no Kindle e plataformas semelhantes, mas ainda não está ao alcance de muitos/as. Além disso, no mercado literário português, essas formas de leitura ainda não têm muita expressão.
Nos seus planos futuros, está a pensar escrever outros géneros literários, ou apenas romances?
Sim, penso nisso. Suspense, policial. São géneros que me interessam, também.
Que mensagem gostaria de deixar aos almeirinenses sobre os seus livros e a importância da escrita e da leitura nos tempos atuais?
Gostaria de dizer aos almeirinenses que, mais do que apoiar qualquer outra coisa, a arte, nas suas diferentes vertentes, tem de ser promovida. A pandemia teve um impacto colossal no setor da cultura e muitos artistas vivem com imensa dificuldade. No que me diz respeito, gostaria de convidar cada residente a procurar as minhas páginas, o meu livro, porque nele também poderão rever paisagens do Ribatejo, personagens e formas de vida da nossa região. Podem viver Paris através da leitura. Além disso, sendo almeirinense, ficaria muito grata por saber que as pessoas se interessam por uma jovem escritora natural desta cidade, claro. Por último, a importância da leitura é flagrante. Sem leitura, não conseguimos expandir os nossos horizontes. Há muitas histórias por aí que merecem ser lidas. Se vamos tantas vezes ao cinema para ver um filme, sem pensarmos que por detrás desse filme há um livro ou um argumento baseado num livro, por que razão é mais difícil comprar um livro e apoiar um autor/a português? Aqui fica a reflexão.
Entrevista de Mariana Cortez