Há cerca de um mês, tornou-se viral a publicação no LinkedIn do diretor de entretenimento da SIC, Pedro Boucherie Mendes, que, basicamente, recomendava aos jovens trabalhadores que fossem autómatos ao serviço das chefias, que não dessem ideias, que não tivessem personalidade, que não aportassem valor às empresas a não ser a execução do trabalho atribuído pelo chefe.
Dias depois, a jornalista e escritora Inês Pedrosa lembrava no X (ex-Twitter), com saudade, o início de carreira em que dormia na sua mesa de trabalho para o jornal Independente sair a horas. Atirava ainda que, no seu tempo, não havia cá essas mariquices da ansiedade e da depressão que, hoje, as pessoas em início de carreira se queixam de sentir.
No dia seguinte, no podcast Comissão Política, o diretor do Expresso, João Vieira Pereira, repreendeu um seu colega jornalista, mais jovem, por se queixar de barriga cheia porque, quando este se lamentava da sua geração andar de crise em crise, JVP recordar que, quando criança, só podia comer uma bola de gelado uma vez por ano.
É curioso que os três intervenientes tenham escolhido plataformas maioritariamente frequentadas por utilizadores mais jovens para abrir uma guerra de gerações, para lhes dizer que não é legítimo lutar por uma vida melhor, para abraçarem a precariedade como modo de vida e para olharem para o futuro como uma entidade abstrata que pode, quem sabe, um dia chegar. É curioso que um liberal, uma socialista e um social-democrata comunguem da ideia da “pieguice” partilhada por Passos Coelho, quando era primeiro-ministro, em relação às gerações mais novas, mostrando que não é uma posição política, é antes um preconceito geracional.
Tenho 37 anos, cresci na abastança dos anos 90, no el dourado cavaquista dos fundos comunitários onde a energia idealista da geração que fez a revolução conviveu com a irreverência da geração rasca. Cresci sem que nada faltasse a ninguém e em que o conceito de elevador social era mais do que uma ideia, resultando hoje na geração mais preparada e qualificada de sempre.
A minha geração foi uma afortunada, mas foi a mesma que levou com a crise da dívida quando começou a trabalhar, que levou com a troika quando começou a constituir família e que leva agora com a crise climática. É a geração à qual foi vendida uma expetativa que, 20 anos depois, se revelou uma ilusão, é a geração que sai de casa dos pais aos 35 e é a primeira que vive pior que a anterior.
É, sim, a geração (esta e a que vem a seguir) da ansiedade, do pânico e da depressão porque passam-se 10, 15, 20 anos e os “jovens” continuam empancados numa realidade em que não dormem na mesa de trabalho, mas também não dormem nas suas casas porque não têm dinheiro para as pagar.
Pior ainda, é a geração que tem nas chefias a geração do Pedro, da Inês e do João, a primeira que cresceu em liberdade e que, talvez por isso mesmo, se tenha anestesiado para o valor da solidariedade inter-geracional.
As histórias das famílias que partilhavam uma sardinha para 8 chegam-nos até aos dias de hoje e é bom que perdurem durante muito tempo na nossa memória coletiva para darmos valor ao que conquistámos. Mas não podem servir para diminuirmos aquilo que legitimamente ambicionamos.
Espero sinceramente que a minha geração, quando chegar à idade do Pedro, da Inês e do João, daqui a 150 anos, não se torne numa turba de amargurados que deseja para os seus filhos as dificuldades que teve para si.
Para os meus, desejo que a inteligência artificial chegue a um ponto que trabalhe por eles e trabalhe para eles para eles poderem viajar, ler, namorar, celebrar a conquista do Mundial 2038 quando o Cristianinho entrar no intervalo da final para substituir o pai, enfim…que possam viver, em vez de sobreviver.
Voltando à pergunta do título: não, não estamos no meio de uma guerra geracional. Para haver uma guerra é preciso que dois lados se oponham. Quando só um lado tem interesse em guerrear, onde estamos é no meio de uma agressão. É em primeira instância pelas condições materiais, mas é também pela falta de disposição de serem agredidos que cada vez mais jovens desistem mais cedo de tentar dar o seu desprezado contributo para um país melhor.
João Bastos