Em Benfica do Ribatejo há quem aposte, desde 2021, em tentar desenvolver o Karaté. Paulo Jordão é o rosto desta ideia que tem vindo a ganhar praticantes.
Paulo, primeiro que tudo, queria perceber como é que em 2021/2022, se iniciou este projeto, em Benfica do Ribatejo?
Surgiu de uma forma quase espontânea. Tinha o meu filho, e uns amiguinhos na escola da Anam, no pavilhão. Entretanto, as coisas não correram bem com os amiguinhos, quiseram sair. Fomos para Santarém treinar uns dias e lembrei-me “mas porque que razão não havemos nós de abrir aqui em Benfica”. Reuni com a Direção da Associação Cultura e Desportiva de Benfica do Ribatejo, falei também com o Mestre da Anam, o Pedro Bento, a explicar a situação de que ia abrir aqui a escola. Foi logo das primeiras pessoas a saber, e a partir daí abrimos e naturalmente, começamos a trabalhar.
Sendo um projeto ainda recente, como é que tem sido este percurso porque tendo as crianças, os jovens tantas ofertas, é sempre difícil um projeto novo, primeiro ganhar espaço, captar atletas. Como tem sido esse trabalho, Paulo?
O projeto ainda é embrionário, porque, normalmente, são décadas de trabalho que depois dá um grande volume de atletas e de reconhecimento pela sociedade, mas isto é assim, tem que se continuar a trabalhar, seguir os nossos parâmetros que nos foram dados pelos nossos mestres, neste caso pelo mestre Carlos Dias e pela Associação Amicale Karaté. Acreditar nesse processo, nos padrões e continuar a trabalhar, não há outra forma.
O número de atletas tem vindo a crescer?
Temos tido alguma oscilação. Nunca tivemos muitos atletas, até porque digamos que sou conhecido aqui em Benfica por ser um Mestre demasiado exigente, porque venho dessa linha. A linha no Karaté é trabalhada de uma forma muito exigente, muito no pormenor e quando estamos a brincar, estamos a brincar, mas quando estamos a trabalhar, trabalhamos muito a sério. Há um bocadinho essa ideia que sou muito exigente e é verdade! Não tenho tido muitos alunos, estamos na classe dos 15/20 alunos, mas eu costumo dizer que temos que plantar as sementes. Há épocas mais fortes e outras mais baixas, aos poucos vamos crescendo. Eu também não tenho capacidade para ter muitos alunos, porque para além do Karaté, também tenho a minha vida profissional, familiar e com muitos alunos se quisermos, dar o foco correto a cada um deles, é muito difícil.
E estando nós também a falar de uma freguesia, não tem a dimensão da cidade, e tendo em conta que as ofertas são sempre muitas com o futebol logo à cabeça, há aqui uma concorrência desleal diria?!
É uma concorrência que aparece de forma natural, porque todos nós, em criança, queremos é uma bola, não é? Esse é o grande inimigo, digamos assim, do resto dos desportos, mas temos que viver com esta realidade, não há outra. Os miúdos são fascinados pelo futebol, mas isto gira muito à volta dos pais. Os pais são fundamentais para agregar e consolidar tudo aquilo que trabalhamos no Karaté e, quando temos pais que compreendem, que já tiveram os filhos mais velhos no Karaté e agora têm os mais novos, sabem os benefícios que o Karaté traz para os mesmos e, normalmente, estes vão ficando. Depois, há sempre aquelas oscilações, um vai para o futebol, depois sai do futebol, volta novamente para o Karaté. Isto é o normal e não há grande coisa que se faça contra isto, é continuar a trabalhar e educar a nossa sociedade que o Karaté tem características que sãos excelentes para as nossas crianças.
Está desmistificado de todo que se trata de um desporto violento?
Acho que está completamente. Aliás, há pouco tempo atrás, a Escola Virtual, publicou um artigo, onde elegeram os dois melhores desportos para as crianças, e os dois desportos escolhidos foram a Natação e o Karaté. Se para a escola o Karaté está bem, portanto a parte da violência já desapareceu há muito tempo, penso eu.
Falou logo no início da nossa conversa da exigência, esse será um dos aspetos mais positivos que este tipo de desporto terá?
Sim, mas não só. O Karaté é uma disciplina desportiva muito difícil. É muito difícil conseguirmos avançar de uma forma sustentada, se não foram criadas as bases corretas logo no início. Atualmente, já existe um conhecimento do corpo humano que não existia na altura que eu entrei para o Karaté, em que andava a correr descalço com seis anos na rua e isso sim, era muito duro e pouco pedagógico, mas tinha a sua parte do Karaté. Ultrapassar a dificuldade e continuar a trabalhar, é o que é necessário na disciplina. É muito difícil, termos coordenação técnica, o controlo do corpo, o equilíbrio, a coordenação motora e depois o foco que só existe com a capacidade de disciplina, a concentração de treino, saber muito bem qual é a parte para brincar e mesmo a parte de brincar tem que ser uma brincadeira lúdica e direcionada para o Karaté. Caso contrário, estamos a perder tempo.
Deixe-me recuar aos seis anos em que corria na rua a treinar Karaté. Onde, como é que surgiu esse gosto por esta modalidade?
Este gosto foi me imposto pelo meu pai. Ele nunca fez Karaté, mas tinha uns amigos, já adultos porque não havia infantis na altura, pelo menos aqui na zona penso que fui o primeiro. Era só malta com 20/30/40 anos, o meu pai tinha um grupo de amigos que faziam Karaté. Levaram-me a um treino na Escola Agrícola, com o Mestre Pedro Dias e, quando dei por mim, estava a fazer a primeira Kata, demonstração de técnicas já pré-definidas. O Mestre que estava a dar o treino, apercebeu-se que eu já os estava a imitar lá de cima do palco e chamou-me. Aquela que era a kata mais básica, só tem 8 movimentos, eu consegui fazer num treino que fui ver, e então a partir daí continuei.
E já lá passaram uma série de anos…
Sim, então eu estive agora aqui a ver as minhas coisas e o meu cinto amarelo é de 1979.
Paulo, e qual foi o caminho que foi fazendo? No Karaté não é apenas a idade que nos faz subir de patamar?
Nós temos que limitar o crescimento e a evolução dos miúdos, porque rapidamente chegariam a cinto negro. No Japão, vimos miúdos de sete/oito anos com cinto negro. Nós não somos japoneses, somos europeus, temos uma forma de estar completamente diferente e temos uma disciplina completamente distinta. Temos de travar um bocadinho os nossos pequeninos para não chegarem rapidamente a cintos negros. Porque não têm a maturidade de um miúdo dentro da cultura nipónica. Nem vale a pena estarmos a comparar. Portanto, nós temos que estancar um bocadinho a evolução deles, para que seja mais sustentada, para que atinja o cinto negro com a maturidade, que responda as exigências desse mesmo cinto. A evolução dentro do Karaté é feita com base na parte técnica, mas o Karaté não se cinge a técnica e a graduações. Eu posso fazer Karaté a vida inteira sem fazer graduações, basta ter gosto e vontade, e como se costuma dizer, dos 8 aos 80, não tem um limite para se treinar. Depois, se formos falar para a vertente competitiva, é um bocadinho diferente, a vertente competitiva, não tem nada a ver com o Karaté, não vamos estar a misturar as coisas.
Voltando aos seus meninos de Benfica do Ribatejo e Fazendas de Almeirim, eles participaram ainda há umas semanas em Ourique, numa competição e correu bastante bem?!
Muito bem. Correu bem, porque eles têm correspondido às exigências que lhes faço. Alguns destes miúdos estão a trabalhar comigo há dois anos e estão no projeto da Associação Amicale Karaté. É um projeto de competição, onde treinam quase todos os sábados com um treinador da parte dos combates, que é o Rafael Dias e com uma treinadora, que é a Elisabete Dias, da parte de Katas. Eu faço a parte da coordenação da competição e dou uma ajuda nos treinos. A equipa é genial e os miúdos são fantásticos, vêm de Santarém, de Porto de Mós, do Algarve e criou-se uma dinâmica tão bonita e tão positiva que os resultados começam a aparecer. Eles trabalham bem, estamos a trabalhar muito a base, para que cresçam de uma forma sustentada de forma a que, quando chegarem a iniciados e juvenis, não tenham que desistir. Já têm essa capacidade física criada e implementada no corpo. A partir daqui é só trabalharmos os pormenores com muito trabalho físico e técnico. Eles adoram estar na competição! Eu tive miúdos que me disseram, há uns anos atrás, que os melhores momentos da vida deles passaram-se na competição do Karaté. Seja pela relação que se criou com o treinador, seja a relação que se criou com outros adversários. Temos aqui alunos que, quando vão para o pódio, vão abraçados aos competidores que foram rivais. Que se conheceram naquele dia e que criaram ali uma relação imediata, pelo gosto do Karaté e da Competição. Estas são as coisas bonitas. A medalha estraga-se, mas a relação mantém-se e eles adoram isso.
Acredita que daqui a alguns anos podemos ter atletas com bons resultados a nível profissional?
Tenho um filho meu que também está na competição, nós queremos que ele ganhe sempre, mas gostava que ele fosse campeão nacional de seniores. Aí é que se vê o trabalho todo do início ao fim. Nós temos aqui cerca de 3,4,5 miúdos, vão aparecer outros, que têm características físicas e capacidade de trabalho que lhes permite ou que me permite a mim pensar que eles têm essa capacidade de chegar a seniores e terem essa capacidade de excelência. Estamos a trabalhar cedo com eles, a criar as bases físicas. Vou dar-lhe um exemplo, para fazer a espargata, convém trabalharmos muito bem dos 6 aos 8 anos, não quer dizer que aos 12 anos, não consigamos fazer bem a espargata. Não vamos ter a potencialidade que teríamos se tivéssemos sido trabalhados dos 6 aos 8 anos. Tudo isto está muito bem estudado e muito bem trabalhado e é com base neste trabalho e nestes estudos, que foram feitos por grandes mestres e por malta com conhecimento da motricidade humana, é que é sustentado o nosso trabalho no Centro de Karaté Amicale Almeirim. Trabalhamos muito a parte da motricidade motora, multidisciplinar, as cambalhotas, as pontes, o pino, tudo e mais alguma coisa, porque tudo favorece o crescimento da criança e se, não for sustentado nesta altura, já não vamos conseguir potenciar as suas características ao máximo.
O que é que terá de acontecer para que no final da época desportiva, o Paulo Jordão seja um treinador, pedagogo feliz, realizado e satisfeito?
Paulo: Eu tenho esse feedback em todos os treinos. Há treinos que não correm bem, não é? Eu não sinto necessidade de chegar ao final da época e fazer um balanço. Faço esse balanço porque como coordenador da competição, tenho que exteriorizar o que nós fizemos ou deixamos de fazer. Mas tenho feedbacks positivos todos os dias com os miúdos nos treinos. Nas Fazendas de Almeirim, pedi para se fazer a ponte, e um miúdo que nunca conseguia fazer, quando olhei estava a conseguir fazer a ponte sozinho. Antes fazia sempre com a minha ajuda, conseguiu fazer sozinho. Portanto, ele ficou contente, eu fiquei muito feliz porque a luta que nós tivemos todos os dias para ele conseguir fazer a ponte, naturalmente foi vencida, porque o esforço normalmente tem resultados. A minha satisfação são todos os dias.