“Não quero que o meu filho fique traumatizado”, por Teresa Gil Martins

Todas as situações de stress têm repercussão orgânica. Algumas hormonas e substâncias químicas são libertadas, provocando as seguintes alterações fisiológicas: aumento da frequência cardíaca, da frequência respiratória, da tensão arterial, do trânsito intestinal, da ansiedade e do medo. 

Quando vividas nos primeiros anos de vida, as situações de stress tanto podem ser benéficas para o desenvolvimento da criança como tóxicas para a sua saúde. Os resultados dependem da intensidade e duração dos acontecimentos, bem como do suporte afetivo de retaguarda que a criança possui.

Os episódios de stress positivo estão associados a respostas fisiológicas e hormonais moderadas e de curta duração, pelo que são bem toleradas. Lidar com a frustração, ou resolver situações difíceis sem a ajuda do adulto constituem exemplos destas situações. Desde que sejam experienciadas em contextos sociais e familiares estáveis e seguros são mesmo indispensáveis ao desenvolvimento social e emocional da criança, pois promovem o autocontrolo, a gestão das emoções, a autonomia e a capacidade de adaptação às novas circunstâncias. 

Os episódios de stress tolerável correspondem a situações de grande intensidade, capazes de desencadear respostas nocivas para a arquitetura cerebral. A morte de um ente querido, um desastre natural ou a separação não litigiosa dos pais são exemplos destas situações. Porém, o alívio causado pelo suporte afetivo dos cuidadores é normalmente suficiente para restabelecer os valores basais dos parâmetros fisiológicos e hormonais, garantindo a reversibilidade dos danos cerebrais e físicos. O apoio de profissionais qualificados pode ser necessário nalgumas circunstâncias. 

O stress tóxico resulta de respostas sistémicas fortes e prolongadas, na ausência de uma proteção afetiva tampão. São exemplos destas situações: negligencia, abuso sexual recorrente, depressão materna severa, toxicodependência dos progenitores ou violência doméstica. A elevação persistente das hormonas de stress e de determinadas substâncias químicas cerebrais interferem com a química e com a arquitetura do cérebro em desenvolvimento, podendo deixar sequelas na capacidade de aprendizagem, na memória, nas competências comportamentais e na sensação de bem-estar na vida adulta. Uma ativação persistente da resposta ao stress também tem repercussão no sistema imunitário e em diferentes órgãos do corpo humano. Alterações fisiológicas intensas e perpetuadas aumentam o risco de doença física (cardiovascular, hipertensão, obesidade, diabetes e risco de morte súbita) e mental (depressão, ansiedade e risco de abuso de substâncias).

Assim, todas as situações irreparáveis, inevitáveis, de grande intensidade, com caráter recorrente e duradouro devem ser diagnosticadas e denunciadas precocemente. Todas as medidas para lhes pôr cobro devem ser instituídas com brevidade. Um apoio profissional diferenciado deve ser facultando às vítimas o mais precocemente possível, para minimizar o risco de trauma e sequelas futuras. 

Excluídas estas situações graves, todas as crianças têm necessidade de aprender a gerir e a ultrapassar as suas próprias dificuldades. A omnipresença e a intromissão excessiva do adulto limitam a aprendizagem proporcionada pelo stress positivo. Contudo, a criança deve sentir que os seus cuidadores se encontram presentes na retaguarda, sempre atentos, disponíveis e prontos a intervir se necessário. Desta forma a criança sentir-se-á segura e protegida. 

A geração atual vive sob bombardeamento sistemático de informação, em contínua sobrecarga cerebral, numa “sociedade de cansaço”, como a designa Byung-Chull Han. As solicitações externas absorvem e sufocam de forma ininterrupta e sobreposta: trabalho, telefonemas, notificações, emails, televisão, redes sociais, atividade recreativa digital, notícias em constante atualização, entre outras…. Provavelmente, porque o cérebro só consegue realizar uma tarefa de cada vez, tem-se vindo a assistir a uma profusão indesejável de novas doenças como o burnout e a falta de concentração. Simultaneamente, há uma diminuição da paciência, da disponibilidade e da interação recíproca. O tempo para o tédio e para a criatividade são cada vez mais reduzidos. A saúde mental está em risco, os adultos ficam menos atentos às suas crianças e o apoio afetivo que lhes dispensam pode ficar comprometido.

As políticas de trabalho são pouco amigas das famílias. Mas um acréscimo exclusivo na quantidade de tempo disponível será insuficiente, já que o verdadeiro apoio dos cuidadores excede muito a mera presença física. Ele exige regras, manifestações frequentes de afeto, interação e atividades partilhadas que promovam o bem estar-estar de todos. Tarefas solitárias supérfluas e indesejadas constituem um verdadeiro desperdício de tempo. 

O amor, o respeito e a admiração dos outros por nós não são uma aquisição garantida com o nascimento, mas algo que se conquista diariamente. A harmonia familiar transmite segurança, sensação de proteção e bem-estar. Sem investimento na estabilidade e no afeto familiar a criança cresce à deriva, sem refúgio, negligenciada, “traumatizada” e incapaz de suportar e superar as pequenas adversidades inevitáveis da vida. 


Opinião, por Teresa Gil Martins


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