Hoje, em Almeirim, todos convergem para o mesmo ponto – para o terreiro junto à praça de toiros. Entramos na praça para melhor contemplar o espectáculo da multidão, e surpreende-nos a vastidão do recinto. Fazemos, então, uma paragem para, em conversa com o eng. Manuel José Baptista e o arquitecto António Alves Mendes, autores do projecto da praça, nos inteirarmos da importância da realização.
Tal como a festa é para o povo, também a praça o é. Pertence à Sopa dos Pobres local. Foi construída sobre a antiga praça, graças ao entusiasmo de uma comissão pelos srs. D. Luís de Margaride, Guilherme Andrade Godinho, Teodoro da Silva Santos, Fernando Andrade, Manuel Landácias e Luís Correia. É esta comissão que vai administrar a praça até a entregar, livre de qualquer encargo, à Sopa dos Pobres. O Estado deu uma comparticipação de 200 contos, e a comissão obteve o restante, ou responsabilizou-se por ele, até cerca de 1.200 contos, que foi em quanto importou a obra. Mas Almeirim pode agora orgulhar-se da praça, que tem cerca de 7 mil lugares e instalações como nenhuma outra.
De características arquitectónicas simples (só tem uma tribuna, a presidencial) a praça é alegre e sem arrebiques de gosto duvidoso – uma praça bem ribatejana que pode servir de modelo a futuras construções. A praça dispõe de uma enfermaria e sala de tratamentos, instalações privativas dos toureiros com capela anexa, enfermaria-veterinária, etc. Considerando tudo isto pode mesmo dizer-se que ela é das primeiras praças do País.
O Manuel dos Cavalos perante uma grave responsabilidade
Apesar da sua longa prática – é talhante e já assou vitelas inteiras – hoje em Almeirim, havia um homem sobre quem
assentava uma grande responsabilidade: o Manuel dos Cavalos. Isto porque a comissão organizadora da festa quis que ela interessasse verdadeiramente ao povo, uma vez que nem todos podiam assistir à corrida inaugural.
E, assim, às 10 horas, organizou-se no Matadouro um cortejo invulgar: a «escolta» a um toiro morto, pelado e sem tripas, pronto a ser assado para distribuição ao povo. Era o Manuel dos Cavalos o cozinheiro. Entre a curiosidade de centenas de pessoas, um dos membros da comissão – o lavrador Teodoro da Silva Santos – dava indicações sobre indicações, até que conseguiu pôr em marcha o cortejo que ia despertar o interesse de toda a população. Garbosos, dez campinos a cavalo abriram o desfile.
Seguiam-se algumas vacas soltas e mais campinos. E, depois, um carro de bois sobre o qual, cortado ao meio, da
cabeça ao rabo, o famoso toiro – um bicho de respeito que pesava 300 quilos. Era uma oferta generosa da casa Prudêncio da Silva Santos, Filho. E como a carne não se come sozinha, seguia-se uma camioneta com mil quilos de pão – oferta generosa do lavrador Joaquim Alberto Andrade.
E, para que a festa fosse ainda mais «alegre», seguiam atrás seis carros, com outros tantos cascos de vinho (cerca de 5.000 litros) oferecidos por importantes lavradores locais. Os carros iam bem ornamentados com flores e sobre eles viam-se numerosas raparigas, trajando à moda da região. A banda de Almeirim fechava o cortejo, chefiado, a breve trecho, por campinos de palmo e meio – filhos dos lavradores, que os populares saudavam alegremente.
O pequeno Manuel Andrade e o seu irmão levavam à garupa as irmãs Isabel e Fernanda Rodrigues. Nos carros, outras raparigas das melhores famílias locais: Maria Luísa Godinho, Maria Helena Andrade, Maria Emília e Maria Cristina Torrão, Pilar Gonçalves, Isabel Marques, etc.
Um assado «gigante» e os seus temperos
A chegada do cortejo junto da praça foi anunciada pelo estralejar festivo de foguetes. Para ver o desfile só não arredavam pé aqueles que cercavam o terreno onde ia fazer-se o assado do toiro e onde ardiam duas enormes fogueiras, alimentadas por centenas de quilos de cepas secas. Foi para esse recinto que entrou o toiro, cada metade aos ombros de 10 homens valentes. Foi o momento de o Manuel dos Cavalos entrar em acção. As duas partes do toiro, atravessadas por dois ferros enormes que faziam de espetos, foram, então, preparadas.
Uma vazilha com água e sal e outra com a «calda». Com as mãos da «calda» – banha, sal, pimenta e pimentão «forte» – o Manuel dos Cavalos e o ajudante, barraram, primeiro, uma das metades do toiro – operação demorada devido ao tamanho do animal. E só então é que a carne foi para cima das duas fogueiras, suspensa a barra de ferro em duas estacas. Repetiu-se a operação com a outra metade do toiro, e, quando a carne começou a tostar, toda a gente acreditou que o cozinheiro ia sair-se bem da tarefa: o vento levava às narinas da multidão um delicioso cheirinho a carne assada… Uma vassoura, com um cabo de 2,5 metros, molhada na «calda» ia, de vez em quando, «varrer» os costados do toiro. A festa foi rija.
Depois do meio-dia, a carne estava assada, foi tirada do lume e as facas entraram em acção. As facas e os queixos de quem quis comer. A carne chegou para todos, pois era pretexto para um copo. Um, ou dezenas… Cinco mil litros de vinho a jorrar deliciosamente de seis cascos, enquanto o pão fresco estalava apetitoso. Quem se poderá admirar se ainda hoje à tarde alguém aparecer aos ziguezagues? A festa foi rija… Foi uma festa do povo!
A inauguração da praça de toiros
Às 15 horas, o pároco local sr. Padres Oliveiros, procedeu à benção da capela da praça de toiros, cerimónia que teve
a assistência do presidente da Câmara, sr. Guilherme Andrade Godinho, vereadores e convidados. Chegava, nesse momento, o governador civil de Santarém. E, à hora a que telefonamos, o chefe do distrito e o presidente do Município vão aguardar; à entrada do concelho, o sr. eng.º Saraiva e Sousa, Subsecretário das Obras Públicas. Com a presença deste membro do Governo, realiza-se a corrida inaugural da nova praça de toiros.
Texto escrito com o antigo Acordo Ortográfico